Chove. Nina e eu observamos a chuva pela janela. Nós duas queremos passear mas precisamos admitir que está até que relativamente agradável. O barulho da água no vidro, a temperatura amena e o quase silêncio urbano nos contagiam e nos acalmam. Ela me olha com doçura. Difícil dizer quem resgatou quem. Nina já me salvou algumas vezes, só nessa semana.
Tenho vontade de me mudar, de mudar a casa, o cabelo, a cara, a vida. Talvez seja aquela vibe que às vezes falamos, que algumas pessoas fazem terapia para lidar com as pessoas que não fazem terapia. Talvez eu queira mudar para conviver com as pessoas que não mudam. Isso ou a falta de portaria, não estou certa.
Exercito um dos meus passatempos favoritos: olhar anúncios de imóveis que eu não posso pagar e que, salvo algo realmente inusitado, jamais poderei. Imagino a vida daquelas pessoas. Que gente mora num lugar desses? O que comem? Como andam na cidade? Andam na cidade? Como se reproduzem? Transam? Para mim, é mais ou menos como um estudo de cenografia para o NatGeo.
Minha família não tem minas de esmeraldas na África do Sul, mas dá pra entender querer morar em Marte.
Lembro da frase do Quintana: “viajar é mudar o cenário da solidão”. Penso que Marte pode não ser uma boa ideia, afinal.
Talvez seja só um reflexo da época natalina, esse inferno astral dos ateus, mas o fato é que ando como quem quer ficar, fico como quem quer mudar.
Leio um TCC do qual serei banca, ótimo. É de Letras, sobre poesia. Dá vontade de (voltar a) escrever poemas. Vou sentar olhando para a parede e ajoelhada no milho até passar. Quem precisa de poesia numa hora dessas? Bem, todo mundo. Não, não. Espera passar. Vai passar.
Abro um agrado para a Nina e um vinho para mim. O efeito é, mais ou menos, o mesmo. Não, engraçadinho, não estou abanando o rabo. Ainda.
Lembrei de uma série maravilhosa no tubo, intitulada My drunk kitchen. Dependendo de como esse vinho for, talvez eu faça, sei lá, deixa eu ver o que tem de ingredientes na casa. Ah, claro, farei um lamen.
Por falar em lamen, esses dias fomos, filho e eu, passear na Liberdade, aqui em São Paulo. É um bairro incrível do tipo quero visitar mas não morar. Imagina só, eu velhinha, aquele monte de ladeira, cruz credo.
Penso em mudança novamente e olho para a Nina. Precisa ser um lugar bom para cachorros. Bastante canteiros em volta, uns pombos aqui e ali, um boteco de esquina que aceite quadrúpedes como fregueses. De preferência, um lugar com parque perto para uma bolinha, cheirar um bumbum, essas coisas essenciais da vida.
Não tem nem um ano e eu não queria cachorro. Sou uma pessoa coerente assim, com opiniões fortes e imutáveis. Dane-se. Quem faz sentido é soldado.
Volto para o site de apartamentos inalcançáveis e coloco como busca “coberturas”. Eu não posso pagar, mas Nina merece um terraço para chamar de seu.
E, em um intervalo de tempo de mais ou menos 40 minutos, eu já morei em Marte, em outra cidade, na praia, no campo, em outros bairros, em casas, apartamentos, coberturas.
Parou de chover. Vamos lá cheirar uns bumbuns, Nina e eu.
Nina sorri. Temos, afinal, minas de esmeraldas.
Nina concorda com tudo. Eu sei, ela me disse.