Muitos escritores já disseram, com alguma razão, que escrever é uma atividade solitária, que na companhia de alguém – ainda que seja a pessoa mais querida – a escrita não rende. É como a timidez que trava a língua do sujeito e o deixa desconfortável, tropeçando nas palavras.
E se a pessoa quiser saber algo sobre o escrito e disparar fazendo perguntas, é quase certo que o trabalho será interrompido para um café, uma volta no parque ou qualquer outra saída que tire o escritor de cena.
Não se trata de grosseria ou de falta de companheirismo. É que a coisa simplesmente não funciona quando a companhia quer atenção ou produz algum tipo de ruído capaz de interferir na concentração.
É aí que entram os gatos, criaturas notáveis na composição do ambiente apreciado pelos autores, sejam eles cronistas, romancistas, jornalistas…, tradutores, poetas.
De fato, os gatos até ajudam. Quem escreve pode, nas pausas ou sempre que o texto travar, ter uma conversa com eles sem correr o risco de ficar influenciado ou distraído com a opinião alheia. Sem contar o relaxamento, a sensação de segurança e de autoconfiança que eles exalam: ingredientes valiosos no percurso da escrita criativa.
O vínculo, no entanto, pode se tornar danoso se o escritor passar a depender do amigo felino para escrever. Uma condição rara, mas possível de ocorrer.
Num caso pouco conhecido, o elo vicioso foi tamanho que o autor, “para ser justo”, começou a dividir informalmente os direitos autorais com o bichano em forma de petiscos, comidas especiais e outros confortos extras. Na maior parte do tempo, é importante dizer, “os direitos autorais mal davam para comprar a ração do gato”, explicou.
Nesse tempo, sem a presença do gato, o texto simplesmente não fluía. Escrever fora de casa sem o parceiro, nem pensar. Viagens? Só levando o gato.
Daí surgiu também uma apreensão com o tempo de vida do animal que já tinha doze anos e um rim atrofiado.
Foi quando o sujeito, que era romancista, passou a escrever contos e ensaios curtos, na insegurança e incerteza de que teria tempo para terminar um romance, que pode demorar cinco anos ou mais para ser concluído.
Mas a inevitável tragédia ainda estava por vir se antes o autor não fosse acometido por um enfarte fulminante, um acidente ou outro desfortúnio que faz parar o coração da pessoa.
“Teria dado tempo de escrever o último romance”, lamentou o escritor numa entrevista quando já havia abandonado a caneta. O último texto que saiu foi um epitáfio no dia em que o gato partiu:
Aqui, meu ponto final.
Sem mais enredo, encerro a narrativa.
História de outrem, nem minha, nem daquele que escreve.
Hoje fui ausência, amanhã, passado.
Aceito o vazio, o nada absoluto.
Fico naquilo que fui pensado.