Estou ficando boa na arte tatu-bola: ao primeiro sinal de perigo, me enrolo dentro do meu mundinho. Praticamente um rolinho primavera. Um kebab de Carolina. Guioza Vigna. Burrito. Enchilada. Acho que estou com fome.
Domingo de eleição, todo mundo à minha volta tenso no último. Dava para ligar uma lâmpada no ar só de passar na sala de estar de alguns parentes.
O que eu fiz? Isso mesmo, um piquenique com namorado no Jardim Botânico.
Descubro que o limite do quanto eu aguento do mundo vem diminuindo com a velhice.
Muito melhor olhar florzinha com o amor.
Sim, eu sei. Eu sei.
Se Monet, em plena Guerra Franco-Prussiana, podia pintar frôzinha, eu posso fazer piquenique no primeiro turno dessa tortura medieval. Não me encham a paciência.
Segunda, todo mundo com cara de enterro. Até tive vontade de dizer algo como “ainda não perdemos” mas não tive ânimo suficiente para transformar o pensamento – pensamento tênue, mas ainda assim, pensamento – em voz.
A voz, por sinal, anda falhando. Não só a minha, a de todos desse lado da trincheira.
Estamos todos nós – mulheres, LGBTQIA+, negros, religiosos de matriz afrodescendente, indígenas, imigrantes, idosos, portadores de deficiências, moradores de rua – sem voz.
— E agora, o que faremos?
— Poesia, esses canalhas não suportam poesia.
A frase é tirada de um quadrinho do cartunista gaúcho Rafael Corrêa, de quem, por sinal, recomendo o Até aqui tudo bem.
Camões não viu uma pessoa que comemora a existência de uma passeata para xingar criança estuprada ser eleita senadora. Camões não viu aquele que admitiu ter recebido propina em um esquema de caixa 2 disputar um governo de estado. Camões não viu quase metade do país votar do jeito que votou. Camões não viu nada disso.
Ainda assim, escreve no canto X d’Os Lusíadas:
Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dũa austera, apagada e vil tristeza.
É, meu amigo caolho, a pátria metida no gosto da cobiça e da rudeza, de uma austera, apagada e vil tristeza. E você, veja só, nem estava falando do Brasil.
Só nos resta a poesia.
E as frôzinha.