Minha definição de “autocensura” é que ela ocorre quando você corta alguma coisa do seu texto não por motivos estéticos, mas por questões morais, mercadológicas, políticas, etc.
O texto ficaria melhor com aquilo que foi censurado, mas você prefere deixar seu texto pior. É ilógico, mas não é nada raro. E acontece mais do que gostaríamos de admitir.
Eu mesmo, confesso, cometi uma autocensura por esses tempos e até agora não sei se me conformo com ela.
Aconteceu quando eu estava vendo os primeiros esboços da HQ Super-Zé, da qual sou roteirista. Havia uma cena em que Zé sonhava que defendia sua amada Xisleide do ataque de Clodoaldo, atual namorado de Xis e inimigo de infância de Zé.
Em vez de colocar o próprio Clodoaldo no sonho, achei que seria melhor Super-Zé lutar contra um imenso e metafórico pênis, que o ilustrador André Bernardino fez com intimidadoras tatuagens tribais. Tratava-se de um inimigo terrível, porque, a cada soco de Super-Zé, o pênis ficava maior e mais ameaçador.
Porém, por conta dessa ilustração, talvez a HQ, pensada para púberes, espinhentos e adultos, ficasse restrita apenas aos segundos e terceiros.
Fiquei numa dúvida terrível. Eu preferia preservar o pênis. E não veria problema nenhum se meu filho Matias lesse a revista com uns doze anos. Talvez dez. Mas muitos outros pais, professores, jurados e analistas veriam. O que fazer? Me curvar ao bom senso ou ao pênis gigante? Acabei escolhendo a primeira opção. E me convenci por dois motivos:
O primeiro é literário. Aquela era a única piada mais ardida do livro. Talvez destoasse do resto, todo mais sutil e suave. Aliás, é bom esclarecer que o livro nasceu como um romance (ainda inédito) e só depois virou HQ. Nessa transformação tirei várias coisas que seriam mais próprias para adultos, como quando Zé conta as peripécias sexuais que fazia com seu poder de superelasticidade.
Talvez, disse eu para mim mesmo, aquele pênis gigante fosse um resto do romance literário, que pretendia atingir mais ao leitor adulto. E assim seria melhor, por coerência e por unidade de tom, deixá-lo fora da HQ. Além disso, uma linha mais juvenil e menos erotizada talvez combine mais com o universo dos quadrinhos de super-heróis. Afinal, você não vê o Homem-Aranha sendo esmagado pelos seios gigantes de uma Silicone-Girl ou Super-Homem sendo vencido por uma sedutora alienígena que libera kriptonita pela vagina (ops, gostei desse argumento, vou anotar).
Mas o segundo motivo, dou a mão à palmatória, foi o mercado. Sem essa cena, imagino que o livro possa ser usado pela maioria das escolas e concorrer em editais públicos (mesmo que tenha um ou outro palavrão, fale de política e religião, e revele que as pessoas fazem sexo). E escolas e governos são duas fontes de renda muito importantes para editoras pequenas.
Fico me perguntando: se eu não fosse também o dono da Padaria de Livros, será que bateria o pé e exigiria a sobrevivência de meu pênis gigante? E me respondo: não sei.
De qualquer forma, acabei tirando o pênis na hora agá e troquei-o por um Hulkoaldo, uma mistura de Hulk com Clodoaldo.
Meu consolo é saber que, quando sair o romance que deu origem à HQ, a cena estará lá. Não desenhada, mas em letras. Só não sei ao certo se o consolo substitui o pênis.