Parte dos contos de A menina de cá, de Carlos Nascimento, gira em torno da relação homem-mulher, que se desgasta e, por isso, termina. O tédio é resultado da convivência cotidiana e a única saída é colocar ponto final naquilo que um dia se chamou paixão.
São textos leves, bem escritos, alguns tocam a poesia, mas ao longo dos contos, a temática repetida acaba gerando justamente as sensações de monotonia e enjôo protagonizadas pelos personagens. Em cada conto há um narrador masculino que parece ser o mesmo em todos os textos referidos acima, a quem o tema do desgaste amoroso é uma obsessão. Mas não é uma obsessão trabalhada com intensidade e sim com um distanciamento que beira à fofoca, à descrição pura e simples de fatos e sentimentalismos.
Em raras exceções a poesia atinge uma força que nos leva ao riso ou à reflexão (como em Minha amiga Marly e Beleléu). Em geral, a poesia resvala o melodramático. O autor utiliza grande quantidade de lugares-comuns para descrever conceitos e imagens. Os clichês estão presentes também nas próprias tramas. Às vezes tem-se a impressão de que tudo que está sendo lido é muito velho, conhecido e empobrecido.
A partir de certo ponto, as temáticas variam. No conto Sul de Minas, a narração envolve a viagem de um homem e um acidente sofrido por ele. Temos descrição bucólica de paisagens, narração linear e drama apagado pela monotonia de uma linguagem pitoresca, isto é, uma linguagem corriqueira, de metáforas velhas e ritmo cansado. A grande matança se assemelha a um capítulo de romance, excessivamente descritivo e documental, fugindo à densidade e à concisão que enriquecem um bom conto. Ciranda é uma referência ao escritor argentino Jorge Luis Borges. A intertextualidade se dá com citação direta ao autor, através de uma linguagem que reproduz a linguagem de Borges e numa tentativa de retratar a angústia vivida pelo escritor no processo de criação. A conclusão a que cheguei depois de ler e reler o texto foi a seguinte: Borges é Borges e não aceita imitações. Nem que estas tenham a intenção de demonstrar grande admiração pelo artista. Desconcerto também se assemelha a um capítulo de romance, recheado de discussão sobre ética e moral. Didático, o narrador explica seus dramas, justifica-os do ponto de vista psicológico, abandonando o fio da história, adentrando-se por digressões filosóficas para, no final, retomá-lo e concluir o assunto inicial. Tem-se a impressão de ser ler uma mini-tese.
O conto A menina de cá é o destaque do livro. É um texto, como os outros, singelo, de formato tradicional, sem inovações estilísticas, mas que prende o leitor ao drama que encarna. As personagens são figuras típicas do meio rural que não se limita às grandes fazendas, mas engloba as pequenas cidades do início do século 20, quando não passavam de vilarejos, pontos de apoio à economia rural. A história visa justificar uma lenda. Personagens estilizadas, nesse caso, combinam com a estrutura textual. O caráter mítico prevalece sobre o psicológico (que não existe no livro, senão em forma de explicações), e, tais personagens, por mais questionáveis que possam ser em suas integridades existenciais, têm força e personalidade.
A despeito do currículo excelente do autor, não temos um grande livro de contos a comemorar, mas um livro bem escrito, de temáticas e linguagem datadas, circunscritas a tempo e espaço que não se transcendem e que, por isso, mantêm a obra presa ao próprio umbigo.
Escrever demanda domínio profundo da leitura e da escrita. Mas não se pode dispensar absolutamente o talento, a sensibilidade, a ousadia, e, sobretudo, a consciência de que cada trabalho requer um olhar novo para as velhas estruturas, um rompimento com o passado distante e o imediato, de modo a se criar circunstâncias para que cada obra seja a mesma e outra.