🔓 Queijazz

Se é possível reunir num jantar veganos, carnívoros e intolerantes à lactose, tenho fé de que conseguiremos dar jeito nesse Brasil dividido
Ilustração: Denise Gonçalves
18/11/2021

Reunimos, em uma mesma comemoração, uma pessoa vegana, uma que só come carne vermelha, uma que só come peixe, uma que não come peixe, duas que adoram azeitona, duas que odeiam azeitona, uma intolerante à lactose, três que adoram queijo, dois de dieta, uma que se alimenta basicamente de pizza, uma controlando o açúcar, uma que é uma formiga e uma onívora.

Fiz sorvete com massa de banana, brigadeiro vegano, brigadeiro de chocolate, pastinhas variadas, legumes assados e pão. Compramos frios, queijos, frutas, verduras. E o povo que monte o que quer comer.

Tenho um certo otimismo em pensar que se um jantar desses é possível, conseguiremos dar jeito, um dia, nesse Brasil dividido, cortado pelo ódio.

O Deleuze tem uma definição muito bonita de direita e esquerda na política. Está no Abecedário. Ele diz que a direita começa a pensar a partir do indivíduo, depois na família, a comunidade, país e finalmente no mundo. Já a esquerda faz o caminho inverso: primeiro o mundo, até chegar no indivíduo. Não vejo uma solução para essa diferença, mas tenho esperança de diminuir a distância entre o pobre e o rico. Ou seja, vejo primeiro o mundo e, portanto, sou de esquerda.

A treta recente foi a do Wagner Moura comendo acarajé (que leva camarão) em um acampamento do MST. As quentinhas com acarajé (e camarão) foram doadas pelo restaurante Acarajazz. Essa é uma boa ilustração de como a classe alta fascista não está preocupada com nada além de manter a distância social. Consideram um absurdo que pobre se alimente, estude, tire férias. Viajar, então, é um crime maior. A mesquinharia dessa gente não conhece limites.

No meu jantar não teve acarajé (nem camarão). Muito sinceramente porque dá trabalho para fazer e eu sou preguiçosa. O povo da minha bolha é doido mesmo é por queijo. E eu, por jazz. Então fico aqui na torcida para criarem um restaurante chamado Queijazz. Prometo que viro cliente.

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Saiu a lista dos finalistas do Jabuti. Nessa edição do prêmio eu tenho dois favoritos: Corpos secos de Luisa Geisler, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado (Alfaguara), e Fé no inferno, do Santiago Nazarian (Companhia das Letras). Dois livros absolutamente sensacionais. Leiam.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho