🔓 O livro que gostaria de ter escrito

Um atlas reunindo 50 países que deixaram de existir, entre 1840 e 1975, fez despertar em mim a inveja, um dos sete pecados capitais
Ilustração: FP Rodrigues
06/08/2021

De vez em quando, amigo (a) leitor (a), alguém pergunta que livro eu gostaria de ter escrito. Sempre acho essa interpelação meio ofensiva, porque, de alguma maneira, parece partir do pressuposto de que os livros que escrevi não prestam… Mas, claro, sei, não é isso, trata-se apenas de uma pergunta-padrão, que faz parte de um questionário tacitamente obrigatório, assim como “indique escritores (ou escritoras) contemporâneos (ou contemporâneas) que dialogam com sua obra”, “quais foram os autores (ou autoras) que o influenciaram”, “que dicas você daria para alguém que está começando a escrever”, etc.

Pois bem, nunca sei responder a pergunta inicial, motivadora dessas linhas… Mas dia desses meu interesse foi despertado pelo título de um livro que acendeu em mim uma luzinha daquele sentimento horrível, condenado no décimo mandamento — a lei mosaica, lembra? — e que está inscrito no livro de Êxodo, capítulo 20, versículo 17: Não cobiçarás coisa alguma do teu próximo. E eu cobicei, confidente leitor (a)…

O livro em questão se intitula Lugar nenhum – um atlas de países que deixaram de existir – 1840-1975… Como não tive essa ideia antes?! Mas o mérito é do arquiteto Bjorn Berge que o escreveu, de Leonardo Pinto Silva que o traduziu diretamente do original norueguês e da simpática editora Rua do Sabão, de Santo André (SP), que o publicou. E aqui o descrevo breve, mas apaixonadamente.

Bjorn Berge dedica quatro páginas, em média, a cada um dos 50 países que não constam mais do mapa-múndi, desde alguns longevos, como as Índias Ocidentais Dinamarquesas, que duraram 163 anos, entre 1754 e 1917 (hoje rebatizadas como Ilhas Virgens, pertencentes aos Estados Unidos), e outros que duraram apenas um verão, como Allenstein, em 1920, hoje território polonês; de países populosos, como Manchukuo, hoje parte da China, com 31 milhões de habitantes, ou lugares sem residentes fixos, como as Ilhas Shetland do Sul, pertencente à Antártida; desde territórios imensos, como a República do Extremo Oriente, com quase 2 milhões de quilômetros quadrados, hoje incorporada à Rússia, até Heligoland, de 1,7 quilômetro quadrado, agora parte da Alemanha.

O autor se vale de textos literários e documentos oficiais para descrever, com inteligência, erudição e bom-humor, aspectos históricos, geográficos, políticos e econômicos dos países em questão — mas, principalmente, ele se ancora na evocação de sua inacreditável coleção de selos, cuidadosamente reproduzida. Aliás, ressalte-se, a edição toda é um primor de bom gosto, desde a escolha da elegante família de tipos até a seleção das cores usadas no texto — e, se há algo a ser reparado, apenas a manutenção dos nomes noruegueses nos pequenos mapas, que, se acrescenta um toque exótico ao livro, no entanto impede que o leitor os desvende de imediato.

Porém, esse pequeno senão não macula a beleza e o interesse por esse livro, que não nos incita apenas a curiosidade — o que já seria um mérito, numa época em que nada mais nos espanta —, mas principalmente nos adverte para o fato de que nada, nem mesmo países, dura para sempre…

Luz na escuridão
Roniwalter Jatobá, romancista, contista, cronista:

“Em 2013, como fazia quase todo ano, pegava o carro em São Paulo e encarava uma longa estrada para chegar ao sertão baiano, onde vivia minha família. Desta vez, após cruzar a cidade de Vitória da Conquista, resolvi fazer um caminho diferente, como se algo misterioso me ordenasse deixar a BR-116 (Rio-Bahia) e enveredasse pela BA-142, rumo a Mucugê, Andaraí e Lençóis, na Chapada Diamantina. Foi ali que descobri uma cidadezinha chamada Wagner, palco da Escola Americana de Ponte Nova, fundada em janeiro de 1906, que formaria professores para alfabetização e até técnicos em enfermagem para trabalhar no Grace Memorial Hospital, inaugurado em 1926. E é justamente durante 1926 que venho pesquisando um assunto para um possível romance histórico, contando a trajetória da enfermeira americana Evelyn Dobbs e tendo como pano de fundo a violência dos jagunços ligados ao coronel Horácio de Matos e um breve período da grande saga da Coluna Prestes que cruzava a região. Por enquanto, venho entranhando tudo, mas ainda não me acho amadurecido para mergulhar nessa aventura. Preciso de mais tempo para observar, compreender e aprofundar. É esse livro, sem título, que vou escrever um dia”.

Parachoque de caminhão
“Estar vivo exige mais do que um simples pãozinho com manteiga.”
Alfred Döblin (1878-1957)

Antologia pessoal da poesia brasileira
Raimundo Correia
(São Luís, MA, 1859 – Paris, França, 1911) 

Mal secreto

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja aventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

(Sinfonias, 1883)

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

Rascunho