Seis anos depois de Agora aqui ninguém precisa de si, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Poesia, Arnaldo Antunes publica Algo antigo — livro de poemas sobre o tempo e a memória. Esses são temas comuns em sua obra literária, composta por mais de 20 publicações, mas eles estão, desta vez, circulados por um contexto inédito e inquietante.
Diante da pausa forçada a que foram submetidos todos os artistas na pandemia, com projetos adiados e espaços culturais fechados, Antunes encontrou uma oportunidade para revisitar a primeira versão do livro. Além disso, lançou o disco O real resiste (2020) e trabalhou em novas composições e parcerias. Nas apresentações de O real ao vivo, o artista experimenta, pela primeira vez, a união entre show musical e performance poética. Também inova ao adotar arranjos de piano para seus poemas e canções.
Duas características aproximam o disco e o livro: as adaptações que precisaram ser feitas para o seu lançamento — os eventos presenciais foram substituídos pelas lives —, e o peso da atualidade sobre o conteúdo. São evidentes as referências às ameaças recentes à democracia brasileira, aos povos indígenas, à dignidade humana.
Nesta entrevista ao Rascunho, o artista paulistano comenta seu trabalho na literatura, com forte inspiração no concretismo, revela leituras recentes, opina sobre a política brasileira — e o papel fundamental da linguagem em meio ao caos —, e defende o potencial da leitura como via de acesso à “experiência do mundo” e para transformar nossa consciência e sensibilidade.
• No início da pandemia você passou por um período sem conseguir produzir, e aí começou a rever os poemas de Algo antigo, inserindo novos textos e excluindo outros. Como foi esse processo? O que considera decisivo para retomar a produção?
Quando começou a pandemia eu havia acabado de lançar o álbum O real resiste, no início do ano, e estava prestes a estrear o show O real ao vivo, com Vitor Araujo ao piano. Havia várias datas agendadas em diferentes cidades e tivemos que cancelar todas. Não poder apresentar esse show e não fazer mais shows desde então me abalou muito. Num primeiro momento me senti imobilizado, sem conseguir produzir nada. Fiquei nesse estado nos primeiros meses, me refugiei num sítio e me dediquei apenas à convivência familiar, leituras e afazeres domésticos. Cultivando a horta, cozinhando, caminhando, alimentando os bichos. Aos poucos, foi voltando o desejo de produzir. Primeiramente com letras para parcerias à distância, por meio de alguns convites que me enviavam. Compus coisas novas com Domenico Lancellotti, Marisa Monte, Pedro Baby, Péricles Cavalcanti, Cezar Mendes e Marcia Xavier, minha mulher. E o trabalho sobre o Algo antigo foi outra coisa que me motivou e foi me tirando desse estado de inércia. Eu havia chegado a uma versão que dei como pronta no final de 2019 e combinado com a Companhia das Letras de lançá-lo no segundo semestre de 2020. Mas, com a pandemia, decidimos adiar o lançamento para o início de 2021. Aí, com esse tempo extra, voltei a mexer nele. Excluí alguns poemas, criei novas versões gráficas para outros, alterei a ordem e fiz vários poemas novos que acabaram entrando. Resultou num livro um tanto diferente daquela primeira versão. Acho que ficou bem melhor e por isso, de certa forma, sou grato a esse período de quarentena.
• O poema NO é dedicado a Augusto de Campos, um dos fundadores da poesia concreta. De que maneira o concretismo influenciou sua formação e produção artística?
A poesia concreta e toda a produção posterior de Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari (além de outros integrantes do movimento, ou ligados a ele por colaboração ou afinidade) foi uma das fontes que despertaram meu entusiasmo pela poesia. A conjunção do verbal com outros códigos, a consciência da materialidade da linguagem, a síntese, a ousadia formal, a capacidade de invenção e a releitura da tradição feita por eles transformaram inevitavelmente a cultura brasileira. Creio que eles revelaram com mais clareza e rigor o cerne da linguagem poética. Tive a felicidade de poder conviver com eles, para além da admiração que já nutria por suas obras. Dediquei esse poema para o Augusto, que completou 90 anos, com as palavras “novidade”, que contém “vida”, e a coincidência feliz da palavra “vida” terminar com as mesmas três letras (“ida”) com que se inicia a palavra “idade”. Acabou saindo um poema meio que ao modo da poesia do Augusto, com esse formato geométrico, composto por linhas com o mesmo número de letras, eliminando os espaços entre as palavras e explorando essa relação sonora e semântica entre elas.
“Há temas que são recorrentes na minha poesia, como a morte, o tempo, o corpo, o vazio, a natureza.”
• De maneira geral, Algo antigo fala sobre o tempo. O poema Quarentena chama atenção por representar a percepção da passagem do tempo quando estamos em isolamento. Como foi esse período? Qual é a importância de aprender a parar?
O livro, desde o título, tem vários poemas sobre a passagem do tempo, principalmente em sua primeira parte. Houve um momento, no processo, em que pensei em fazer um livro monotemático, apenas com versos sobre o tempo, de vários pontos de vista. Mas depois ele foi se abrindo a outros temas, apesar de manter esse eixo como um elemento aglutinador. Quarentena fala da percepção do tempo se tornar tão contraditória em períodos excepcionais como o que estamos vivendo. Aborda o tempo não como um conceito absoluto, mas como um valor variável em nossa consciência, principalmente nesse contexto de isolamento físico com conexão digital. Fiquei achando, no início da pandemia, que era um momento em que todos deviam dar um stop geral para reavaliar a velocidade cada vez maior do cotidiano e o número de compromissos e informações que vínhamos acumulando nos últimos anos. Como se a vida, o destino, o planeta, estivessem nos pedindo uma pausa para reflexão.
• O poema Isolado parece falar sobre a pandemia, mas foi escrito antes dela. Isso acontece com outros poemas também, que acabaram refletindo um período que nem havia começado. Como você lê esses poemas agora?
Sim, é um poema que fala de isolamento, mas não necessariamente deste, causado pela quarentena. Como você observou, não foi motivado pela pandemia, já que é um dos que foram feitos antes dela. Creio que se trata mais de uma coincidência do que de uma premonição, ou algo parecido. Mas podemos interpretá-lo à luz desse momento difícil, atribuindo-lhe novos sentidos. E há poemas que foram feitos durante esse período de pandemia e de destruição que assistimos no Brasil atual, que falam, direta ou indiretamente, desse contexto, como Sereia, Bacanas, Saga, entre outros.
• A memória era um tema presente em seu livro anterior. Algo antigo fala de memória, mas, ao mesmo tempo, parece pouco saudosista. O poema Saudade, por exemplo, diz “Não tenho saudades do que vivi/ porque tudo está aqui”. Algo antigo é sobre uma nova forma de lembrar?
Há temas que são recorrentes na minha poesia, como a morte, o tempo, o corpo, o vazio, a natureza. A memória é um desses assuntos sobre os quais muitas vezes volto a me debruçar. Mas nunca fui muito chegado a saudosismos, de uma maneira geral. Sempre fui um pouco refratário a esse ranço sentimental em relação a um passado idealizado. Daí também vêm reações como o poema Da sua memória, do livro 2 ou + corpos no mesmo espaço (1997), que fala do apagamento de uma pessoa na memória de outra, ou Fora dentro, do livro n. d. a. (2010), com os versos “sem memória para não ficar por fora/ viro vento pra ficar por dentro”, ou como a letra da canção Fora da memória, gravada com os Tribalistas em nosso segundo álbum.
• Para alguém que tem a palavra como matéria-prima fundamental do trabalho, como você avalia este período no Brasil em que as palavras parecem perder o valor, com verdades negadas e distorcidas?
São evidentes os motivos pelos quais nossos atuais governantes e seus apoiadores ameaçam, atacam e trabalham pelo desmonte da cultura, das artes, da livre imprensa, da educação e da ciência. Pois como juízos claros, independentes, minimamente racionais, poderiam acreditar em terra plana, nazismo de esquerda, kit gay, masturbação de bebês, complô globalista, ameaça comunista, etc. etc. etc.? Como poderia colar o papo de que a Covid-19 é uma gripezinha, que a cloroquina cura, que não houve ditadura militar no Brasil, que as ONGs é que estão pondo fogo na Amazônia, que o aquecimento global não existe? Essas mentiras (e aqui faço a defesa desse termo literal em vez do paliativo fake news), tomadas como certezas, repetem-se com insistência obsessiva, multiplicadas a todo momento pelas redes sociais, para a consolidação de um estado permanente de afrouxamento dos limites básicos da convivência democrática, em prol de um projeto de poder. Nessa inversão total de valores civilizatórios muito primários (na qual se valoriza a tortura, o racismo, a devastação ambiental e onde a própria vida é desprezada — nos quase 450 mil óbitos da Covid-19, além de outros tantos da violência policial ou do genocídio indígena), uma das regras do jogo é deteriorar o próprio sentido das palavras, da utilização da linguagem ao que se quer expressar. Assim, ostentam cartazes defendendo AI-5 ou intervenção militar, enquanto afirmam estar defendendo a “liberdade” ou a “democracia”. Dizem-se cristãos enquanto cultivam a violência, o preconceito, a desigualdade. Os termos e conceitos são degradados, distorcidos, usados para confundir. Não à toa, costumam citar a fase bíblica “conhecereis a verdade e ela vos libertará”, reivindicando numa mesma oração dois valores (“verdade” e “liberdade”) que eles próprios ameaçam constantemente, em discursos, decretos e atitudes. São tantas aberrações ao mesmo tempo, em tantas áreas, que a capacidade de se indignar e reagir se perde numa perplexidade contínua. Nesse emaranhado de versões, que turva qualquer possibilidade de diálogo, as artes acabam inevitavelmente se tornando um território de resistência, ao menos por resgatar a clareza da linguagem, que vem sendo pervertida em seu uso diário em prol da mentira, do negacionismo, da inversão de valores. Pois para defender qualquer coisa (democracia, direitos humanos, liberdade, vida), precisamos voltar a acreditar nas palavras, nos sons, nas cores, nos cheiros, nos afetos. Na possibilidade de comunicação através da linguagem. É um trabalho que se deve prezar nesses tempos duros.
• Seus filhos te inspiraram em várias criações, a exemplo de Como é que chama o nome disso? (2006) e As coisas (1992). Na fase atual, como são as trocas artísticas entre vocês?
“Como é que chama o nome disso?”, que acabou virando o refrão da música O nome disso, gravada em 1995 no álbum Ninguém, foi uma frase literal de minha filha Celeste, ainda pequena, que incorporei na composição (depois a frase, sem o sinal de interrogação, acabou se tornando também o título de uma antologia de minha produção, lançada pela Publifolha em 2006). Quando Rosa, minha primeira filha, mais velha que Celeste, tinha 3 anos, escrevi o livro As coisas (1992), um tanto inspirado por seu olhar infantil, que revelava o mundo de um modo muito virgem, surpreendente aos nossos olhos habituados de adultos. Como se a observação de detalhes muitas vezes evidentes, mas que não costumamos reparar, despertasse uma nova consciência, fazendo a obviedade se converter em surpresa e novidade. O sotaque quase infantil das prosas poéticas que compõem esse livro vêm de minha convivência com ela, por isso a convidei, na época, para criar as ilustrações do livro. Quatorze anos depois publiquei um livro de frases do meu filho mais novo, Tomé, também aos 3 anos (Frases do Tomé aos 3 anos, compiladas e ilustradas por mim), que revelavam-se poéticas em suas analogias inusitadas, cheias de encantamento e estranhamento por tudo que o cercava. De certa forma, muitos poemas ou canções que escrevi tiveram inspiração em minha convivência com meus filhos pequenos. Hoje em dia estão todos grandes e passaram a ser meus parceiros em algumas criações. Brás (meu terceiro filho) compôs comigo a música Quero ver você, que gravei em RSTUVXZ (2018), o último álbum que lancei antes de O real resiste, e também é parceiro de Um só, com os Tribalistas, que gravamos em nosso segundo álbum. Celeste participou cantando comigo na faixa Na barriga do vento, de O real resiste, música que fala justamente sobre o crescimento e independência dos filhos. Depois disso, ela lançou, no ano passado, seu primeiro álbum autoral, Rio manso — Vol. 1. Rosa, Celeste e Tomé gravaram comigo a música tema da série de animação Diário de Pilar. E Tomé, que vem se aprimorando muito como instrumentista, gravou comigo algumas canções que tenho postado nas redes sociais durante a pandemia. Além disso, todos continuam me apresentando e ensinando coisas novas.
• O livro também tem colagens e caligrafias — experiência presente em outros livros e que você testou recentemente, por exemplo, na exposição Palavra em movimento (2018). Como foi a elaboração desses trabalhos para Algo antigo?
Sempre produzi as artes-finais de meus livros, consciente de que os aspectos gráfico-visuais alteram a significação poética e multiplicam as possibilidades criativas. Isso vem de uma paixão antiga pela poesia visual, que passa pelas vanguardas do início do século 20, pela poesia concreta, pelas revistas alternativas de poesia dos anos 1970 e 80, pela produção de vários artistas visuais que incorporam a palavra em seus trabalhos e pelo convívio com poetas visuais de gerações mais recentes (como Omar Khouri, Paulo Miranda, Lenora de Barros, Walter Silveira, Tadeu Jungle, Antonio Risério, Gil Jorge, Julio Mendonça, Gastão Debreix, André Vallias, Gab Marcondes, entre muitos outros). Nessa área, a poesia acabou também saindo do livro, indo para outros suportes — vídeo, objeto, instalação, cartaz — e ocupando novos espaços — galerias, sites, teatros e até mesmo as ruas, em intervenções urbanas. Algo antigo tem um pouco disso tudo (caligrafia, efeitos digitais, colagem, fotografia), como costuma ocorrer também em meus outros livros. Alguns poemas já nascem com uma ideia visual de que dependem para que o jogo poético se dê. Outros acabam sendo fruto de uma arte-finalização posterior à criação verbal, que pode passar por muitas experiências antes de chegar a uma versão adequada, que me satisfaça. Nesse percurso, pode mesmo ocorrer que o poema original se altere por conta do trabalho gráfico. É o que se deu, por exemplo com Alguma água, um poema maior que foi sendo reduzido até chegar a essas quatro palavras que compõem o círculo; ou com Somos, onde a deterioração e sobreposição confere ordens de leitura e sugestões de sentidos imprevistas no poema do qual parti.
“São evidentes os motivos pelos quais nossos atuais governantes e seus apoiadores ameaçam, atacam e trabalham pelo desmonte da cultura.”
• Adriana Calcanhotto comentou que vê em Algo antigo um Arnaldo “trovador”. Você cita, no livro, as ondas do mar de Vigo — lembrança de uma cantiga importante desse estilo. Como esse tipo de poesia oral se relaciona com a sua criação?
Assim como há os poemas que dependem de um trabalho gráfico-visual, há aqueles mais voltados à oralidade, onde as assonâncias e o ritmo têm papel fundamental. Alguns beiram a linguagem da canção. Nas performances poéticas que apresento, costumo explorar diferentes registros de emissão vocal das palavras — faladas, cantadas, entoadas, berradas, sussurradas, incorporando ruídos — dando a elas novas sugestões de sentidos. Em algumas peças, sampleio minha voz ao vivo, sequenciando várias camadas de loops, que se sobrepõem enquanto vão sendo executados. Em O real ao vivo, decidi pela primeira vez juntar um pouco os territórios dos shows de música com os das performances de poesia, intercalando poemas entre as canções, com os arranjos de piano que o Vitor Araujo concebeu para ambos.
• A pandemia mudou os planos após o lançamento do disco O real resiste. No lugar dos shows, aconteceram duas lives, que intercalam música e poemas. Como foi essa experiência sem a presença física do público?
Até hoje já foram, na verdade, cinco lives, em espaços diferentes. A última delas, exibida no dia 29 de maio, foi no Inhotim, na Galeria Psicoativa Tunga. Num primeiro momento fiquei muito reativo à ideia de fazer lives. Não tive desejo de fazer em casa, como muitos vinham fazendo. Acabei me animando só quando surgiu a oportunidade de me apresentar num teatro, como era para ser o show em sua estreia, com o piano do Vitor, o cenário, a luz, os figurinos e as projeções da Marcia Xavier, só que num teatro vazio (o que achei que refletia bem a desolação desses tempos). Isso sim me empolgou. A primeira foi no Sesc Pompeia, depois fizemos também a do Teatro Municipal, que foi bem especial, além de outras. Mas claro que sinto falta do público. O silêncio depois de cada música ainda me causa uma estranheza, talvez um certo constrangimento, mas por enquanto é o que podemos ter.
• A cultura indígena é um tema que aparece em O real resiste. Qual é a importância da literatura de temas indígenas para sua vivência do tema e sua produção recente?
Nunca me liguei nas versões romantizadas dos índios, como nos livros de José de Alencar, por exemplo. Mas o modo como Oswald de Andrade retomou o tema na Antropofagia foi vital para minha formação e compreensão da cultura brasileira. No livro Textos e tribos, Antonio Risério reivindica a inclusão da produção textual indígena e afro-brasileira no cânone da nossa literatura. A diferença é que ela se dá oralmente, muitas vezes incorporada a outras atividades, mas ele nos mostra como é inegável o valor literário desses cantos, contos, rezas, poemas, fábulas, orikis. Mais recentemente, me encantei com os relatos de Davi Kopenawa em A queda do céu e com as reflexões de Ailton Krenak em Ideias para adiar o fim do mundo. Em maio de 2019, realizei uma vivência na aldeia dos Yawanawá, no Acre, com um grupo de dez pessoas, incluindo minha mulher Marcia e minha filha Rosa, que já os visitou algumas vezes nos últimos anos, e desenvolveu alguns trabalhos com eles. Fiquei encantado com a música, o artesanato, os cultos, a medicina, os saberes, a comida e a maneira generosa e amorosa com que nos receberam. Foi lá que compus Dia de oca, que cantei para eles e com eles algumas vezes, como uma espécie de celebração do encontro e agradecimento por toda a riqueza que estávamos recebendo. E há Língua índia, que fala das transformações das línguas no tempo, no contato entre as diferentes culturas. Essa eu já vinha compondo desde antes, mas finalizei nesse período lá na aldeia. Para mim foi importante incluir essas canções no repertório de O real resiste, por poderem de alguma forma chamar a atenção para a questão indígena, num período em que eles têm sido tão atacados e ameaçados.
“São tantas aberrações ao mesmo tempo, em tantas áreas, que a capacidade de se indignar e reagir se perde numa perplexidade contínua.”
• Você defende que a poesia não precisa necessariamente comentar a vida, mas criar uma experiência para ela. Que experiências a criação e o consumo de arte têm lhe trazido neste momento de pandemia? Quais têm sido suas leituras?
Sempre vi a leitura, ou outras formas de recepção estética, não como uma tradução da vida, mas como uma vivência em si; não como uma intermediação entre nós e o mundo, mas como uma via de acesso direto à experiência do mundo, através da (trans)formação de nossa consciência e sensibilidade. A criação me sustém, me dá saúde. Voltar a trabalhar sobre o Algo antigo, assim como compor algumas canções em parceria e realizar a live do O real ao vivo foram coisas que me salvaram nesse período. Com a recepção da arte acontece um processo parecido, que é o que Pound definia como “nutrir de impulsos”. Ao interagir com um livro, um filme, um poema, uma canção ou qualquer outra manifestação artística, a gente encontra também uma via de expressão para nossos conteúdos íntimos. Algumas leituras marcantes que fiz nessa pandemia: Brasil, construtor de ruínas, de Eliane Brum; Arte como experiência, de John Dewey; Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño; A poética de Maiakovski, de Boris Schnaiderman; 50 contos, de Machado de Assis, selecionados por John Gledson; várias plaquetes de novas traduções de Augusto de Campos, que vêm sendo lançadas pela Edições Galileu; Guerra pela eternidade, de Benjamin R. Teitelbaum; Tom Zé, o último tropicalista, de Pietro Scaramuzzo; Pequena coreografia do adeus, de Aline Bei; O silêncio, de John Cage; entre outros.
• Está nos seus planos transformar alguns poemas de Algo antigo em música?
Não tenho intenção de musicá-los por enquanto, mas pode vir a acontecer. Na verdade, há dois deles que já se tornaram canções. Um é On-off, que a Marisa Monte musicou. Para a canção, acabei criando uma parte nova, que não consta no poema original como está no livro. E o outro é Na porta, que acabei postando em minhas redes sociais em uma versão cantada à capela.