O banal e o cotidiano não escapam à percepção da poeta mineira Mônica de Aquino, autora de Linha, labirinto (2020). Além de beber do dia a dia para elaborar seus versos, Mônica tenta dialogar com outras linguagens em busca do insight necessário para começar a criar — tendo em vista que “escrever, mais do que expressão, é descoberta e reinvenção de si, em que somos a própria matéria-prima da escrita”. Com Fundo falso, de 2018, venceu o prêmio Cidade de Belo Horizonte e foi finalista do Jabuti.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Quando era criança um dos meus prazeres já era inventar histórias e desde a alfabetização a poesia foi ocupando um lugar especial nesse encantamento. A relação próxima com a palavra escrita (e já com certa percepção intuitiva da grande capacidade de concentração de sentidos nos poemas) me acompanhou na adolescência, até que ali por volta dos 19 anos resolvi assumir mais claramente essa vocação.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Acho que não tenho. Procuro sempre variar as leituras e interesses, de modo que minha escrita reflita, em algum nível, essa diversidade que é também parte de toda pesquisa formal.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Essa resposta varia tanto, muda junto com as minhas pesquisas e interesses do momento, com o trabalho que estou desenvolvendo. Mas sempre envolve poesia, jornais (para estar antenada com o meu tempo), e cada vez mais também textos sobre artes plásticas, teoria e crítica.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
Não consigo pensar em nenhuma recomendação.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Não existem. A primeira ideia ou insight podem vir em diferentes momentos ou contextos. O ideal é sempre ter algum meio de anotar, na hora, essa primeira escrita. Depois vem a segunda parte do trabalho, pegar o material ainda bruto e reescrever, cortar, buscar novas relações.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Estar em um lugar confortável, com silêncio suficiente para que outro texto (conversas, televisão, música) não dispute com o texto que está sendo lido e ter papel e caneta ao lado.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Na literatura, os dias em que efetivamente escrevo poemas. Mas sei que essa impressão é incompleta: fazem parte da criação, também, os dias de leitura e até de ócio, de desvios, porque escrever está muito próximo de uma vivência atenta, da observação da própria vida, dos diferentes fatos e também das leituras com um olhar que busca criar novas relações e imagens.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
O momento em que vem a primeira ideia que me faz começar a escrever, enquanto as relações, imagens e ritmos vão aparecendo em uma espécie de encadeamento que só se dá com a própria escrita.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Além da falta de leitura e de conhecimento (que podem levar à ingenuidade ou à arrogância), um olhar enrijecido, incapaz de criar novidade.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A necessidade atual, aumentada pelas redes sociais, de o próprio escritor fazer propaganda de si, de ser uma espécie de promoter e relações públicas, tendo que responder também a todos os acontecimentos públicos e políticos, em um engajamento obrigatório que, no entanto, muitas vezes não cria ou muda nada — já que falamos, nas redes, majoritariamente para quem já tem o pensamento próximo ao nosso.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Lu Menezes. É uma poeta de escrita original e potente, com poucos livros e discreta na sua postura pública.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Respondo só à primeira pergunta: a obra completa da Orides Fontela é um exemplo. Mas o imprescindível no meu processo, na verdade, é a leitura de poemas. Alguns nomes fundamentais agora são Carlito Azevedo, Tamara Kamenszain, Leila Danziger, Marília Garcia, Adrienne Rich, Anne Carson, Eileen Myles, Ocean Vuong, Eliot Weinberger.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Escolher temas do momento, forçar um engajamento a certas causas sem que isso seja um compromisso e uma prática do escritor, uma demanda íntima que leve à elaboração artística.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não saberia dizer. Acho que ainda não me aproximei desse limite para reconhecê-lo.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Não sei qual destacar aqui. O mais prazeroso da escrita de poemas é exatamente isto: ver algo banal ou muito cotidiano e, por algum tipo de relação que a gente estabelece na hora, ser provocado por esse acontecimento e dar a ele nova forma e dignidade.
• Quando a inspiração não vem…
Tento provocá-la, criando para mim certos parâmetros de escrita — séries, pontos de partida, temas, questões formais — que me mobilizem até o insight.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
A poeta portuguesa Adília Lopes, apesar de achar que um café com ela talvez possa render uma conversa estranha, dado que ela é reputadamente uma pessoa reservada e eu nem sempre sou tão expansiva.
• O que é um bom leitor?
Um leitor que, através da leitura, aumenta sua capacidade de observação e de empatia e que admira as possibilidades da linguagem escrita.
• O que te dá medo?
Ver minha filha doente. A possibilidade de perder as pessoas que mais amo.
• O que te faz feliz?
Descobrir um novo artista que me impacta, escrever, viajar, inventar pequenas rotinas familiares, ver minha filha feliz, descobrindo o mundo, especialmente a linguagem.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A certeza de que é através da linguagem que se dá minha principal forma de transformação do mundo e também de mim mesma. Escrever, mais do que expressão, é descoberta e reinvenção de si, em que somos a própria matéria-prima da escrita.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
A qualidade e inventividade do poema.
• A literatura tem alguma obrigação?
Penso em duas: com o trabalho formal (que pressupõe cuidado estético constante) e com uma espécie de consciência do tempo, que não leva necessariamente ao engajamento em causas específicas, mas que deve fazer parte do pensamento de cada texto. Seja tratando de um tema eminentemente político ou falando de tranças no cabelo, de uma criança que brinca, de uma paisagem ou lembrança, o escritor deve ter um compromisso com o tempo e saber que todo poema, por promover um novo olhar sobre as coisas e o mundo, carrega em si uma potência de transformação.
• Qual o limite da ficção?
Acredito que há um limite ético no tratamento de certos temas e na exposição da barbárie, por exemplo.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Diria que ele precisa ser mais específico no pedido, convidaria para um café ou uma cerveja, tentaria entender melhor o que ele deseja, de onde vem e o que entende por liderança, para então pensar quem devo apresentar primeiro — talvez inventando, com a minha própria escolha, um líder.
• O que você espera da eternidade?
Prefiro não pensar nela. É insuportável a ideia de um fim absoluto, mas também não consigo acreditar em muita coisa faz um tempo. Torço, de forma bem abstrata, para que haja algo além daqui.