Ogiva
Para Alberto Bresciani
Armar um poema requer lógica
Uma lógica secreta
de seita, confraria
e que apenas os poetas
iniciados nas artes dessa alquimia
conhecem e arriscam articular
Armar um poema é sempre forma
de amar o poema
que o leitor, ao final,
amando-o também,
tentará eternamente,
e sem sucesso,
desarmar.
Soneto em redondilha maior
Se tudo é um simulacro
— parte de um todo postiço —
existe um mundo castiço
no micro que oculta o macro?
O mundo tem cheiro e viço
tem brilho, mesmo no escuro
Quanto mais perco, procuro
aquilo que dão sumiço.
Saiba, de agora em diante,
meu amigo ignorante:
— Não se deve ignorar
que é mais que um bonsai gigante
a árvore mais distante
que o olho possa alcançar
Vão divã
Luz coada, chão
e brilho
Minha escuridão
na sombra.
Farpa que desliza
seu trajeto pela alma
fincada que foi
pelo tempo, pelo tempo.
A vã tentativa
de todos nós:
extrair do corpo
a dor que a farpa
trouxe de mansinho.
violenta cura
morder a ferida
cuspir o pus
cortar o membro
estancar a gangrena
incendiar o espírito.