O protagonista de Animais em extinção, de Marcelo Mirisola, é um tipo sádico, de violência que lembra o Cobrador de Rubem Fonseca — onde, aliás, no que diz respeito sobretudo à linguagem, encontro uma possível matriz do personagem do romance (também a sombra de Salinger parece acompanhar de perto Mirisola). Há entre Mirisola e Rubem Fonseca diferenças de classe — o personagem de Fonseca tem origem em estratos pobres da sociedade; o de Mirisola é, como indicado na coluna anterior, de classe média. Mas isto não impede o débito do escritor paulista com a ficção do autor de Feliz ano novo. Mirisola, em seu romance, procura soluções inovadoras, como a da autoficção, a da projeção da imagem do próprio autor no interior da narrativa, confundindo a noção de “autor implícito”, pois o MM pode ser considerado mesmo uma espécie de alter-ego do criador do livro. Isto, sabemos, já vem sendo praticado há algum tempo em ficção — mas no caso de Animais em extinção, e tomara que eu esteja errado, pode sobrar para a figura do próprio autor, que poderá receber o emblema de preconceituoso que, de cara, o seu narrador recebe. Não deixa de ser, no romance de Mirisola, um recurso técnico delicado, ou até complicado, sobretudo porque o distanciamento crítico do narrador não raro é prejudicado por essa aproximação perigosa com a pessoa do autor. Quer um exemplo? Darei na próxima coluna.