Anotações sobre romances (19)

Matteo perdeu o emprego (2013), do angolano-português Gonçalo M. Tavares, é uma espécie de manual do absurdo
Gonçalo M. Tavares, autor de “Uma viagem à Índia”
01/03/2015

Matteo perdeu o emprego (2013), do angolano-português Gonçalo M. Tavares, é uma espécie de manual do absurdo. Um livro inteligente, profundamente irônico, com uma construção ímpar. Um livro que desconstrói a forma mais consagrada do romance moderno — aquela calcada no monólogo interior/fluxo de consciência. Um livro que, como poucos na literatura contemporânea, adiciona à cena narrativa a metalinguagem como fator de especulação ensaística/filosófica. Um livro que, para além de narrar (e de narrar bem, de ser muito atrativo narrando), faz apreciações acerca de sua própria forma, problematiza a ficção ao mostrar as suas estratégias, os seus bastidores. O livro está dividido em três partes. Na primeira, acumulam-se vinte e três pequenos e médios relatos (alguns não passando de meia página). Cada relato, além de seu protagonista, traz um personagem (o nome deste vem marcado em negrito) que será o protagonista do relato seguinte. O nome do protagonista é destacado no título de cada um dos vinte e três relatos. Exemplos: Aaronson e a primeira rotunda, Ashley e a encomenda, Baumann e o lixo, Glasser e a bateria, Hornick e o labirinto, etc. Os relatos estão distribuídos em ordem alfabética — até o M, quando há o relato mais longo, Matteo perdeu o emprego, com cerca de vinte páginas, dividido em doze capítulos curtos, e o nome do protagonista também anunciado em negrito no relato que o precede, o vigésimo terceiro. A segunda parte é justamente esse relato mais largo, Matteo perdeu o emprego, protagonizado pelo vigésimo quarto personagem (“…a personagem central desta narrativa”, conforme alerta o narrador). A terceira parte, ensaística, filosófica, autorreferencial, metalinguística, são as “Notas sobre Matteo perdeu o emprego”, denominadas de Posfácio. Esta terceira parte, composta por textos/reflexões curtas, toma cerca de cinquenta páginas do livro. Uma estrutura, portanto, lógica, muito bem arquitetada para expressar, como veremos, o absurdo — e o efeito é uma forte ironia. (Um vigésimo quinto relato, cujo protagonista seria Nedermeyer, é elidido/sequestrado, conforme é indicado num dos apontamentos da terceira parte, quando é posta em dúvida se é ou não “circunférica” a estrutura do livro, ou seja, se após o último relato, o de Matteo, volta-se ao primeiro, o de Aaronson — questão, por excelência, de cunho metalinguístico).

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho