Prosseguindo o comentário sobre Meu coração de pedra-pomes, de Juliana Frank. Lawanda (autoironia da narradora, que se chama Wanda), para melhorar o salário de faxineira, arranja alguns trabalhos “extras” (ou “escusos”, como ela prefere) — consegue alimentos não prescritos para certos pacientes; satisfaz-lhes desejos impróprios, e até bizarros, como o de um velho terminal que queria assistir (não deu tempo) a um show de Caubi Peixoto, ou como o da senhora Berta, também terminal, que, querendo dançar, acaba falecendo nos braços de Lawanda. A (tragicômica por excelência) cena em que é narrada a dança da moribunda com Lawanda tem muita força:
Berta balbucia algo. Não entendo. Mas, sim, estamos sublimes, Berta! É só não pisar no meu pé que eu vou te levar daqui para um templo em Dammam. Fecha os olhos, velha desanimada! Anda! Ela começa a tremelicar. Muito bom! Estamos quase chegando aonde quero. Ela balbucia mais uma vez e se contorce. Que lindo, nunca vi nada igual. Será que são os remédios para o câncer? Eu deveria experimentar!
Ela consegue gritar:
— Estou indo!
— Para o templo de Dammam?
Ela balbucia:
— Não sei!
Cai dura no chão. Merda. Morreu também. E agora? Como vou devolver o corpo para a maca no quarto andar?
Eis uma cena que registra com realismo agudo uma das situações vividas por Lawanda, personagem de fala solta, espontânea, cujos palavrões, bem aplicados na trama, funcionam como desforra, como gritos, não contra este ou aquele, mas contra o tipo de existência que lhe coube. Juliana Frank, autora ainda muito jovem, parece acertar a mão na construção dessa personagem enérgica, desesperada. E com isso acaba acertando a mão na fatura de seu mais recente romance.