Crônicas do estranhamento (7)

As catacumbas subterrâneas de Paris contam muito da história e da relação dos franceses com a morte
Ilustração: Carolina Vigna
13/02/2025

O francês tem uma relação interessantíssima com a morte. Começando, claro, pela culinária que muitas vezes consiste em você arrancar com instrumentos de tortura a carne de dentro da concha de um caramujo. É uma morte gráfica, sem intermediários, sem uma embalagem bonitinha. Terminando nas catacumbas. São paredes e mais paredes, espalhadas em infinitos túneis, cobertas de ossos humanos do chão até o teto. O sistema de túneis parisiense é impressionante. Tem 400 km de extensão. Os túneis são da época da ocupação romana da cidade. Sempre os romanos, sempre.

Há todo um universo paralelo subterrâneo. E aqui incluo as ossadas humanas, o metrô, os estacionamentos, tudo.

A história das catacumbas começa em 1785. Uns anos antes, a população pediu para fechar o maior cemitério da cidade porque a quantidade de gente em decomposição estava contaminando tudo e deixando doentes os que ainda estavam vivos. É uma história de horror depois da outra.

Os ossos que os turistas enxergam são os longos, principalmente fêmur e tíbia, e os crânios. A camada, digamos, da argamassa por trás desses leva os ossos menores, menos nobres, irregulares, feinhos, tortinhos, a classe operária dos ossos.

Durante a Segunda Guerra, a Resistência Francesa usou bastante os túneis. No Rio de Janeiro, eu conheço alguns túneis e esconderijos subterrâneos usados durante a ditadura militar. É uma boa ideia.

Segundo a internet, as catacumbas comportam algo como 6 milhões de pessoas no formato ossos. Existem, ainda, áreas de propriedade privada, onde não se pode entrar. Não, eu também não entendo.

Continuando o estranhamento mórbido, a visita à tumba de Napoleão e mais um monte de gente importante que está lá em volta dele é uma experiência toda à parte. O Hôtel des Invalides é um gigantesco museu militar. Eu, que já não sou tão fã assim de milico, me vi caminhando por um monte de sala mal iluminada com uniformes, armas e explicações detalhadas de estratégias de guerra.

Claro, como todo lugar mórbido, tem uma enorme afinidade pelo bizarro. Tem uns potes, uns vasos grandes, sei lá o nome daquilo, com um ou outro coração preservado dentro. É todo um devir Victor Frankenstein.

A Notre-Dame também é uma sequência de tumbas em volta da área do altar. Os franceses parecem entender a Notre-Dame como, de fato, uma igreja e não como o que eu entendo, um museu. Ainda rezam missas regulares. Tipo a missa de domingo da igrejinha do bairro só que é na catedral.

Eu acho tudo estranho. Tenho uma enorme dificuldade de compreender o mundo, de uma forma geral. Deveria ser socialmente aceito humanos latirem para essas coisas.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho