No Brasil, normalmente a gente interage com o humano e pergunta algo como posso fazer carinho, ele morde, essas coisas. Finalmente, descobri como fazer carinho nos cachorros franceses. É só ignorar completamente o humano, ser bem estúpida, se abaixar e falar diretamente com o cachorro. E só com o cachorro. Depois, você se despede do cachorro e mal olha para a cara do humano. Isso, aparentemente, é aceitável socialmente. É um motivo para gostar da cidade, confesso.
Tem umas coisas sociais que são muito engraçadas. O madame e monsieur, por exemplo. Super formais. Em qualquer lugar, o tratamento é sempre senhor, senhora e segunda pessoa do plural, vós. Se você acha que está virando amigo de alguém, pergunta se podem se tutoyer. Tutoyer é se tratar pelo tu, pela segunda pessoa do singular. Precisa perguntar, precisa ter permissão para isso. Não é uma coisa que evolui naturalmente.
Tenho a percepção, aliás, de que nada evolui naturalmente nessa cidade. Você precisa de um protocolo para absolutamente tudo. É uma sociedade profundamente burocrática e ao mesmo tempo, ou talvez por isso mesmo, desorganizada. Sim, desorganizada. As pessoas são caóticas, odeiam tecnologia e se recusam a adotar qualquer processo que diminua alguma etapa. É enlouquecedor.
Aqui é Bonjour o tempo todo. Você não entra em nenhum lugar sem falar Bonjour, monsieur; Bonjour, madame. Achei que eu precisava dar Bonjour, humano-que-tem-um-cachorro. Mas não. Os franceses têm a hierarquia bem estabelecida. O cachorro é obviamente o mais importante da relação. É ele que você cumprimenta.
Então, demorei a descobrir que para falar com o cachorro eu não precisava interagir com o humano. Achava que essa formalidade era universal.
Fui conhecer o famoso Magasin Sennelier, uma loja de material de arte histórica, fundada em 1887 por Gustave Sennelier, um alquimista que fabricava os materiais, os pigmentos, as tintas etc. Foi frequentada por Cézanne, Degas e Monet e mais um povo. Linda. Infelizmente tudo caríssimo e saí de lá sem ter comprado um lápis sequer. Se na época do Impressionismo também era nesse patamar, dá para entender ainda melhor o artista na miséria. Fui também na Boesner, na Rougier&Plé e na Le Géant des Beaux-Arts. Para quem se interessa, a Boesner e a Rougier&Plé têm preços parecidos. Não são baratas, mas é meio que o que a gente paga no Brasil. Uma amiga recomendou que eu fosse até Berlin para conhecer a Boesner de lá. Fiquei tentada e coloquei na minha listinha de lugares a conhecer. A Le Géant é um pouco mais em conta e um pouco mais genérica. Para minha surpresa, entretanto, não vi nada de tããão diferente assim em nenhuma dessas lojas. Nem mesmo naquela para impressionistas ricos. Vou nessas lojas querendo ser surpreendida. Tipo nossa, não sabia que isso existia. Nossa, o que será que isso faz. Novidade, minha gente, novidade! Vou nesses lugares querendo a última fofoca. Quero precisar pegar o celular para googlar o nome do trem. Não preciso ser apresentada a mais um tubo da Winsor&Newton, só que agora com o rótulo em francês.
Meu doomscrolling todo se reduz a material e técnicas artísticas, memes e pets.
Lá pelas tantas vejo um vídeo de um cachorro que demora coisa de um minuto para reconhecer o dono, que tinha passado apenas uma semana fora.
Acordo no meio da noite em pânico, quase chorando. E se a Nina não me reconhecer na volta? Estou com taquicardia até agora.