Os números das letras

Os números de livros vendidos em 2024 mostram que viver de literatura é complicado, mas ainda é um bocado divertido
Ilustração: Marcelo Frazão
12/01/2025

Hoje farei aqui no Rascunho um balanço numérico-literário de 2024 para quem tem a mórbida curiosidade de saber como é a vida monetária de um escritor. Ou melhor, deste escritor, porque cada um tem público, livros, editoras e mercados diferentes.

Vamos lá:

Em 2024 foram vendidos exatamente 56.140 exemplares dos meus 37 títulos ativos (o número poderia ser maior, mas os governos federal, estadual e municipal (São Paulo) este ano decidiram parar com essa bobagem de dar obras de literatura para os alunos).

Meu “best-seller” (como se diz em português) foi Muito prazer, sou o Betinho, uma autobiografia sobre o “irmão do Henfil”, que chegou a 20.105 leitores. É um número muito respeitável e dá uma alegria imensa ver um livro feito sobre alguém que tanto admiro chegar a tanta gente. Porém, não deu para comprar uma Ferrari, porque a maior parte deles foi vendida com preço especial. Ou seja, os 10% do autor foram sobre o preço reduzido, umas seis vezes menor que o preço normal. Mesmo assim, acabou sendo meu segundo título mais rentável. O primeiro foi Uma história de futebol, que vendeu 4.418 exemplares no Brasil e 3.693 no exterior.

Por editoras variadas, vendi exatos 49.288 livros. Mas confesso que os 6.852 exemplares da Padaria de Livros, da qual sou um dos quatro sócios, tiveram um gostinho especial.

É que nos pãezinhos da Padaria participo de tudo. Desde o texto até a escolha do papel, passando pela postagem nos correios e as notas fiscais. E o trabalho com os outros três sócios (Maria Rita Barbi, nossa editora; Marcus Aurelius Pimenta, com quem escrevo a maioria dos meus livros; e Ivo Minkovicius, ilustrador e designer) é sempre divertido.

Pois bem, pela Padoka, meu campeão do ano foi Os penteados de Rapunzel, com 1.113 exemplares. Pode parecer pouco, mas é um número maior do que alguns títulos que tenho em grandes editoras.

O meu segundão na Padaria foi o ressurrecto O Patinho Feio que não era patinho nem feio. E digo ressurrecto porque, graças à sapientíssima Maria Rita, ele foi reeditado em letra bastão e assim ganhou um novo público. Pela antiga editora, ele vendia cerca de 200 exemplares por ano. Então, o trouxemos para a Padaria, reescrevemos o texto, demos-lhe algumas páginas a mais e a letra bastão. Assim, no ano passado, tivemos 1.006 patinhos voando por aí. E para este ano o número deve aumentar, porque parece que ele será adotado por mais escolas que em 2024.

Só para completar o pódio, entre os meus 18 títulos ativos na Padaria, a medalha de bronze coube a Castelos, com 953 exemplares. Ele é o campeão da editora, com mais de 20.000 exemplares nas mãos dos leitores (e, se atravessarmos a maratona burocrática do PNLD 2023, esse número deve melhorar um bom tanto).

Depois de ouvir, ou melhor, ler, todos estes números, talvez você pergunte: “Tá, mas chega de blá-blá-blá e vamos ao que interessa: dá para viver só da venda de livros?”.

E eu lhe respondo: “Não mesmo! Ainda mais que meus livros são sempre feitos em dupla ou em trio. Nesses trinta anos como escritor, só em um ou dois anos os livros pagaram todas as minhas contas. Há que completar a renda com palestras, textos, roteiros, entrar em concursos, dar cursos etc…”

Os números dizem que viver de letras é um tanto complicado. Mas que é um bocado divertido, é.

José Roberto Torero

Escritor e roteirista, Torero nasceu em Santos (SP), em 1963. É autor de O chalaça (prêmio Jabuti na categoria romance em 1995) e Os vermes, entre outros. Também é autor de livros de não ficção e de literatura infantojuvenil. Ao lado de Paulo Halm, assinou o roteiro do longa-metragem Pequeno dicionário amoroso.

Rascunho