Em 1930, foi decretado que o município de Princesa, no sertão paraibano, e impulsionado pelos interesses da oligarquia (liderada no caso pelo famigerado coronel Zé Pereira), se tornaria um território livre do estado da Paraíba. Este conhecido episódio, que tem relação com a Revolução de 30, é um dos mais burlescos da história brasileira. E que encontrou no conto Memorial do esqueleto, de Aldo Lopes de Araújo (que ganhou o Prêmio Câmara Cascudo de 2005 com o romance O dia dos cachorros), a sátira mais apropriada. A trama fantástica envolve uma situação e um protagonista inteiramente caricatos. Zé Floriano, o protagonista, descobre que seus ossos têm um valor inestimável. E vende um braço e uma perna para um joalheiro do Recife. Fica rico e, além de ser o principal financiador da Guerra de Princesa, passa a ter boa vida, desfrutando das mulheres da cidade. Mando e machismo, aqui, respingam na trama para metaforizar os valores que deram sustentação à ideologia da guerra — a ideologia dos oligarcas que dominaram a Primeira República brasileira. O conto ridiculariza a história, tornando-a aos olhos do leitor aquilo a que de fato sempre cheirou a Guerra de Princesa — um disparate que torna a história mais fantasiosa do que a ficção. Só um contista de qualidade pode fazer o que Aldo Lopes fez nessa pequena grande história que é Memorial do esqueleto.