Eu mergulho desde muito nova. Uma das coisas que talvez vocês não saibam a meu respeito é que sou Rescue Diver pela PADI [Professional Association of Diving Instructors]. Aprendemos sobre o abraço dos afogados. É assim. Quando o sujeito está se afogando, ele agarra com todas as forças o que está mais perto e tenta escalar, sair da água. Sem querer e no desespero, acaba afogando a pessoa que está tentando salvá-lo. Não o vê como uma pessoa. O vê como uma escada, como uma plataforma a ser escalada. E assim, afunda (e mantém submersa) a pessoa que está ali para ajudar. Morrem ambos afogados.
Estou perdendo um amigo importante para o álcool.
Perder, nesse caso, é sobreviver.
É o caso típico do alcóolatra. Não se alimenta, briga com familiares para conseguir mais um trago, essas coisas.
Conversando com um amigo em comum, eu falei o que penso, com toda sinceridade nua e crua. Falei para ele ter cuidado com o abraço do afogado. A gente só pode ir até um certo ponto.
Outra comparação boa é com as instruções de emergência em um avião. Ninguém presta atenção, eu sei. Eu presto. Eu sou aquela pessoa que lê manual. Na descompressão da cabine, primeiro coloque a sua máscara e depois ajude o outro. Por quê? Porque você é inútil se estiver desmaiado, idiota.
Estou perdendo um amigo importante para o álcool. Já bebi muitas noites com esse e outros amigos. Nem sempre tão importantes.
Minha avó bebia todo dia, duas doses. Nunca mais do que duas doses. Sob o ponto de vista da medicina, era alcóolatra. Sob o meu, não. Não era porque parava.
Teve um período na minha vida em que eu não soube parar. Aprendi. E isso me salvou. Sobrevivi. Perdi, mas sobrevivi.
Meu amigo precisa se alimentar. Não quer. Quer uma bebida.
Foi internado. Vamos ver.
Sociedade hipócrita. Qualquer um consegue uma dose de pinga no bar às sete da manhã. Já vi tantas vezes. Eu lá na minha média com pão na chapa, o sujeito encosta no balcão e pede me vê uma branquinha, doutor.
Alcoolismo é um assunto ao qual eu presto atenção. Muitos casos na família. Sabe aquela coisa da ficha médica? Tem casos de blá-blá-blá? Não, doutor. Alcoolismo? Sim. Ah, de quem? O senhor quer a resposta em ordem alfabética ou cronológica?
Ver um amigo cometer suicídio lento dessa maneira é muito duro e muito, muito próximo.
Todo dia, antes de ligar para ter notícias, respiro. Sento. Respiro de novo. Faço um esforço mental para relembrar do abraço do afogado. E, então, ligo.
E, com o abraço dele, choro.