Regalitos

O eficiente método de começar o dia fazendo coisas chatas e cansativas até chegar àquelas que dão prazer e satisfação
Ilustração: Bruno Schier
17/10/2024

O cansaço extremo pode ser um sintoma de depressão. Fiquei preocupada até lembrar da quantidade de coisas que faço. Estou só cansada mesmo. Monsieur M. me disse que eu sou a pessoa que ele conhece que mais trabalha. Não tenho certeza de que seja verdade, mas aceito. M. me conhece bem. Existem amigos que são assim, sintéticos e certeiros.

Desenvolvi um método de produtividade, muitos anos atrás, que nunca me falha. Eu faço tudo em ordem crescente de prazer. Sempre começo com a tarefa mais chata, pedante, cansativa, idiota, do dia. Deixo o que eu mais quero fazer para o final. Dessa forma, meus dias sempre melhoram e eu tenho o estímulo necessário para terminar as coisas chatas, pedantes, cansativas e idiotas que, na verdade, não quero fazer.

Eu sinceramente acredito que a desorganização, e não a procrastinação, é o grande vilão da produtividade. Eu procrastino o tempo todo, mas não altero a ordem dos afazeres. Não me dou regalitos durante o dia. E eu lá sou mulher de pequenos prêmios?

Existem, entretanto, duas exceções. Filho e Nina. Os dois têm permissão de interromper esse cronograma a qualquer momento. Se um deles, por exemplo, precisar ir com urgência ao parque pegar uma bolinha, nós vamos. Ou se surgir uma necessidade de sorvete no meio da tarde. Algo assim, importante. Eu sou workaholic mas ainda tenho a noção e clareza das prioridades da vida.

Esse método, como todos, é absolutamente pessoal e funciona para mim. Não estou defendendo como algo universal e eu não tenho a mais vaga ideia se funcionaria para você também.

Acordo, tretas. Remédios, sim já estou nessa idade. Cartório isso, banco aquilo. Limpar xixi de cachorro. Lavar roupa. Louça, essa divindade infinita. Ligo o computador. E-mail. Whatsapp. Pendurar roupa. Mais e-mail. E-mail é a louça eletrônica. Consigo, finalmente, responder o que acho que merece resposta.

E, então, café.

Café no silêncio.

Nina já aprendeu que enquanto eu estiver com a xícara que tem o líquido mágico dentro, ela precisa ficar quieta no meu colo.

O horário dos latidos já acabou.

Aqui, latimos somente no comecinho do dia. Ela e eu.

Esse antigo hábito de fazer tudo no decorrer do dia em ordem crescente de prazer provavelmente leva as pessoas a acreditarem que eu sou uma pessoa chatíssima. Que só se preocupa com a ABNT, pagar boletos, faxina e arrumação, essas coisas de começo de dia.

Reservo os finais de semana para cinema, pintura, desenho, música, literatura e escrever para o Rascunho.

É a sobremesa da semana.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

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