Autorretrato aos 61 anos

Um resumo otimista e divertido de uma vida dedicada aos livros e às artes, com a ambição de chegar aos 100 anos e aos 100 livros publicados
Ilustração: Marcelo Frazão
13/10/2024

(Como por estes dias completei 61 outonos, resolvi fazer um plágio de um famoso texto de Graciliano Ramos, chamado Autorretrato aos 54 anos. O original é bem melhor.)

Nasceu em Santos.

Tem um filho, uma esposa, três irmãos, dois pais e uma mãe.

Altura: 1,72.

Peso: 78 kg.

Sapato número 42.

Número do colarinho: não tem ideia.

Gosta de nadar e de jogar pingue-pongue.

Acorda antes das cinco da manhã e já começa a escrever.

Sua primeira refeição do dia é composta por mingau de aveia e café. O mingau é feito com 160 gramas de leite desnatado, 20 gramas de aveia em flocos finos, dez gotas de adoçante e uma pitada de sal. O café pode ser qualquer um.

Publicou 63 livros, roteirizou 11 longas, dirigiu 9 curtas.

Fez cem programas de tevê sobre literatura, mas quase ninguém viu.

Atualmente assiste a muitos doramas.

Detesta burocracia.

Gosta de festas, mas com no máximo 30 pessoas e desde que conheça todas.

Foge de quem fala alto.

Vê bem de longe e mal de perto.

Lê menos do que gostaria.

Tem cabelos brancos, mas ainda restam alguns fios escuros.

Adora comer. Mas já não pode comer tudo.

Perde tempo com joguinhos no celular.

Seus escritores preferidos: Machado de Assis, Italo Calvino, José Saramago, Luis Fernando Verissimo e Kurt Vonnegut.

Não tem alma de poeta e não aprecia poesia especialmente, tirando Manuel Bandeira.

Em cinema, gosta de Woody Allen, Ettore Scola, Stanley Kubrick, Sérgio Leone e Charles Chaplin.

Na música: Chico, Caetano, Paulinho da Viola, Milton Nascimento e Gilberto Gil.

Gostaria de saber fazer música e tentou muito, mas nunca conseguiu aprender a tocar um instrumento. Nem a desenhar. Só sabe escrever mesmo.

É ateu. Indiferente à Academia.

Tem alguns amigos escritores. Acham os de literatura infantil menos vaidosos e mais divertidos.

Odeia oportunistas e censura. Censura de oportunistas, mais ainda.

Adora crianças e ver jogos de futebol no estádio.

Colocou dois stents. Toma seis remédios por dia. Nada duas vezes por semana.

Não fuma. Com exceção de um ou dois charutos por ano.

Prefere caipirinha a vinho. Gostaria de beber mais, mas não pode.

Trabalhou em jornal e tevê, mas prefere trabalhar em casa.

Sua mesa de trabalho é bagunçada, mas ele se engana dizendo que sabe onde está cada coisa.

Só tem um terno, usado indistintamente de batizados a velórios.

Ganhou um Jabuti. Foi finalista em outros seis.

Só usou smoking uma vez na vida, numa premiação do Oscar. Que perdeu.

Participou de uma Copa do Mundo, de uma Olimpíada e de duas finais de mundiais de clubes. Infelizmente, como jornalista.

Na juventude, sonhava em ser jogador de futebol, mas era um volante grosso.

Prefere a praia ao campo, o calor ao frio.

Tem uma moto CBX 200, de 1999, que já não anda, mas que ele não vende.

Refaz seus livros várias vezes.

Gosta de escrever em dupla e de dar palpite no trabalho de seus ilustradores.

Ainda não foi preso.

Escreve no computador.

Não tem dívidas.

Começou a editar seus próprios livros em 2019. E gostou.

Espera chegar aos 100 livros e aos 100 anos. Se tiver que escolher um deles, prefere os 100 anos.

José Roberto Torero

Escritor e roteirista, Torero nasceu em Santos (SP), em 1963. É autor de O chalaça (prêmio Jabuti na categoria romance em 1995) e Os vermes, entre outros. Também é autor de livros de não ficção e de literatura infantojuvenil. Ao lado de Paulo Halm, assinou o roteiro do longa-metragem Pequeno dicionário amoroso.

Rascunho