A cena tem anos, já. Estávamos em uma excursão de ônibus. Precisávamos desembarcar às 5 da manhã. O líder do grupo decidiu que a melhor maneira de acordar as pessoas era acender a luz, ir para a frente do ônibus e cantar, a pleno pulmão, o “hino” do XV de Piracicaba, a música Já que tá que fique.
Para quem não conhece essa pérola da última flor do lácio, eis:
Caxara de forfe
Cuspere de grilo
Bicaro de pato
GOOORRRR!
XV, cra cra cra!
XV, cra cra cra!
Asara de barata
Nheque de porteira
Já que tá que fique
GOOORRRR!
XV, cra cra cra!
XV, cra cra cra!
Suvaco de cobra
Sem óio de breque
Óculos de raiban
GOOORRRR!
XV, cra cra cra!
XV, cra cra cra!
Carcanhar de bode
Toceira de grama
Já que tá que fique
GOOORRRR!
XV, cra cra cra!
XV, cra cra cra!
E então ele fazia com os braços o “XV”, cruzando os braços para o X e juntando os cotovelos embaixo, com as mãos separadas, para o V. E aí gritava “Quinze! Quinze!”.
Nunca nos refizemos do susto, da confusão e do trauma.
Uns bons 12 anos depois, uma pessoa querida comenta que o cachorro dela é corintiano e foi quando lembrei dessa história.
Nina e eu torcemos pelo XV. Nina já é preta e branca, nasceu torcedora. Eu sou adotada.
Não, eu não entendo nada de futebol, não sei quando tem jogo, não sei nem quando acontece a Copa do Mundo. E, sinceramente, não importa. Um time que tem a ousadia de ter uma música dessas como seu hino popular merece a minha simpatia. É um tipo muito específico de maluco que acha que isso é sensacional. O meu tipo de maluco. Estou no meu lugar de fala. Esse é o meu povo, a minha gente.
E, claro, tem uns traumas que não nos abandonam.
Eu me divirto. Outro dia, em um dos nossos passeios, parei em um vendedor de roupinhas de pets onde tinha à venda casaquinhos de times de futebol. Perguntei se tinha do XV de Piracicaba, com a real intenção de comprar um para a Nina. A cara do vendedor foi muito engraçada.
O bom de torcer para um time pequeno é a rápida cumplicidade que se instaura quando absolutos estranhos são identificados. Vi uma pessoa com uma camisa do XV na rua e gritei QUINZE! Vieram em minha direção outros quinzes, sorrisos, um abraço no ar, tchauzinhos simpáticos do outro lado da avenida e um coração feito com as mãos.
Dá para entender quem curte futebol de verdade. É um grande clubinho na árvore.
Vivi umas trinta vidas depois dessa excursão do Quinze mas a caxara de forfe ainda me acompanha.
Só preciso agora ensinar a Nina a latir cra cra cra.