Os pés de Jorge Luiz Nascimento estão fincados no subúrbio do Rio de Janeiro. E dali saem rumo ao Centro, aos becos, ao amor, à discórdia, ao embate entre os menos e os mais, com sua poesia — uma “noiva sonsa/ave sem poleiro/ Substância do desespero”. O aviso soa forte durante todo este Punhais e navios — os sussurros ficam por conta da péssima revisão e do desleixo na edição, como se a má vontade com os versos os tornassem mais espontâneos. Ao partir do subúrbio, avivam-se os traços dos questionamentos sociais, tão caros a Nascimento, como o desprezo aos negros; “Cala a boca, negro!/ vai, negro!/ Sempre e sempre alguém comanda/ Ou pensa que comanda”. O grito social tornar-se-ia banal em versos repetitivos ou acintosos. Isso não acontece: o poeta mescla sua inquietude com a sensualidade, o amor, a morte, o cotidiano. Seus versos, alguns inspirados na narrativa de Dalton Trevisan, como Clique, soam como descrições precisas de quem conhecem o solo onde pisa. Transfere-se ao leitor uma acolhedora segurança, nestes tempos de invencionices revestidas de falsa intelectualidade. Nascimento é simples, sem ser simplista, sem cair na pieguice de versos flácidos (é claro que nesta estréia há escorregadas: “Mesmo uma coleção de chaveiros/ Pode abrir os portais da verdade” ou “Quando a noite vier lhes privar/ Do precioso alimento”), há uma força que tenta contrariar os próprios versos: “Tudo é banal e desconcertante”. Não, Nascimento, esta poesia não é banal — há muita poesia banal, mas não esta, que escorre farta, sem as incômodas e inúteis divagações. Divagar é uma arte em que poucos poetas podem se aventurar, sem se perder num subúrbio sem volta.
Do outro lado do muro que tenta encobrir o subúrbio, espreita-nos o desconhecido. O poeta também busca “alternativas” para despistar o fim, para torná-lo mais transparente, mesmo sabendo que este é só escuridão, pois “para o morto, moscas ou pombas — tanto faz”. É a morte — como sempre fez — no comando de toda a discussão. A cada saída do subúrbio, uma olhadela de esguelha na morte, que passa disfarçada por entre os carros. Entre um verso e outro, lá ela deposita seus dedos finos e frios. A ironia a disfarça, o grito do negro tenta afugentá-la, os despistes sensuais tentam seduzi-la, num jogo poético de extrema delicadeza, em que se tem “mais medo do perdão que do castigo”.