Esquentou um pouco, finalmente. Nina Simone voltou a dormir no sofá. Fiz o que qualquer um faria. Liguei o ar-condicionado no máximo e botei a cachorra para dormir novamente comigo no friozinho. Reparem que falei friozinho. É muito importante mantermos a opinião que temos das coisas, principalmente sobre o clima. Coerência é um troço fundamental na vida. Nina se enfia debaixo das cobertas e dorme de conchinha comigo. A paz reina novamente nesse lar.
Na Paulista, as bandas ainda estão se organizando para o domingo quando Nina e eu saímos para o rolê matinal. Para meu desespero auditivo, ela adora a banda de metaleiros desarmônicos e depressivos. Fico imaginando se tem algum som ali que só os cachorros escutam. É a única explicação. De repente, na cabeça da Nina, eles estão tocando um jazz, um chorinho, um rock, sei lá.
No caminho, cruzamos com um antigo desafeto. Um golden simpaticíssimo que, por algum motivo, Nina odeia com todas as suas forças. O cachorro é uma graça. Está sempre com uma bandana vermelha e, juro para vocês, sorrindo. Não há qualquer explicação plausível para esse ódio todo. Vejo o douradinho, já travo a guia e começo a pedir desculpas pela cena deselegante que, conforme previsto, acontece. Nina xinga o rapaz de todos os nomes. Faz ameaças verbais. Faz ameaças corporais. E eu chego com o braço todo dolorido, da força que preciso fazer para impedir a chacina.
O café onde sempre parávamos agora não aceita mais cachorros na área das mesas. Perdeu a cliente. Nunca mais volto.
Achamos outro lugar. As apresentações foram necessárias. Essa é a Nina Simone. Ela não ataca humanos, mas não garanto nada sobre outros cães, pássaros, gatos, ratos, capivaras, sapos, lagartixas, skates, bicicletas, bolas, batatas fritas. Então, sim, ela precisa ficar na guia amarrada na minha perna. Nina Simone é linda. Você é fã de jazz, né? Sim, eu sou. Um café e uma água, por favor.
Celular vibra. Meu irmão me manda girassóis. Adoro.
Um casal de amigos, em viagem, me manda fotos de tudo que gostam dentro dos museus. E assim, de uma certa forma, viajo com eles.
Ex-aluna fofa manda uma selfie na Piazzale Michelangelo. Está passeando com os pais em Florença e lembra de mim em cada esquina. A pessoa que olha para um Michelangelo e tem vontade de te mandar mensagem merece um espaço especial no céu.
Pronto, já posso me aposentar.