Vivemos tempos de ruídos no último volume, pouca sutileza, quase nenhuma elegância, generosidade passa ao largo. A filosofia do mais bruto, o mais desinibido, o mais lacrador, como se diz nos novos jargões dos tempos digitais. Penso o ser da lacração, como aquele adolescente com poucos recursos nas argumentações que leva uma invertida dos mais velhos e sai do ambiente batendo os pés e, na sequência, a porta do seu quarto, e foge do diálogo tentando dar a última palavra.
Gritamos, tentamos chamar a atenção nas redes sociais muitas vezes limitados ao mesmo gueto ou bolha, numa ilha de daltônicos, como diria Oliver Sacks. Ficamos ali na nossa rede espalhando atividades, gerando conteúdos aos mega bilionários digitais, afastando a solidão, mas não a ilusão. Somos ilhas solitárias que mendigam atenção.
No caminho da autodivulgação, podemos cometer erros. Um dos mais possíveis: nos tornarmos repetitivos, vaidosos e míopes sobre a nossa própria imagem. Podemos perder o “semancol”, remédio sem restrições, mas em falta no mercado, no mercado editorial e em tantos outros que nos cercam.
Toda essa abertura foi pensada para trazer para perto um personagem com quem convivo e admiro há tempos, um cronista do olhar lírico, um observador dos tempos que galopam nos sacudindo nas selas de um cavalo chucro, um escritor trovador, um amigo, sim, o meu grande parceiro Xico Sá.
Nascido no Crato e crescido no Recife, ou Hellcife, como ele gosta de se referir, foi jornalista de redação de jornal diário, poeta de mimeógrafo, parceiro musical da explosão criadora do Mangue Beat. Foi premiado, virou homem de televisão, cronista de costumes, cronista de futebol e tudo isso sem perder o borogodó, um abraço ao Joaquim Ferreira dos Santos — cronista carioca de quem sou fã —, ao citar, devemos dar a fonte, certo?
E recentemente o Xico esteve na destemida Realejo Livros, em Santos, para autografar seu recém-publicado Cão mijando no caos (Galácticos e Casa de Irene). E claro que divulgamos juntos e vemos olimpíadas juntos e bebemos juntos e seguimos juntos para trabalhar e encontrar os leitores. A valsa seguiu linda, o autor, sempre de pé, ele não costuma se sentar, um pouco talvez por uma dor nas costas, aquele senta levanta para as fotos com os leitores, mas também pode ser a postura mais de igual pra igual com cada leitor, estar em pé pro abraço seguido do autógrafo, um escritor gentil. E quando nos aproximávamos da reta final do lançamento, algo bonito aconteceu: ao final dos quase cem livros, o centro das atenções, o convidado do dia e da noite tira a atenção sobre ele próprio e se abandona em nome de outro autor, em nome de outro livro, em nome de alguém maior do que ele mesmo.
Xico estanca em meio a um autógrafo e diz, primeiro de forma discreta pra depois aumentar o tom da voz como um arauto, de forma dramática e em pé, pra todos ouvirem: “Vidas secas é o maior livro da literatura brasileira já escrito!”. Ele gostou do som da própria voz e repetiu ainda mais alto: “Vidas secas é o maior livro do Universo!”. Um querido amigo e antigo funcionário gritou de volta, ele estava sentado próximo ao café bar da livraria, ele, o Mimi: “Big Jato é o melhor!”. Xico negava gritando mais alto: “Não é coisa nenhuma!”. E o mantra era novamente gritado, cada vez com novas nuances, por vezes comparando Graciliano com Guimarães Rosa, sempre voltando ao velho Graça, o maior do mundo. Saímos da livraria para uma última prosa num botequim bunda de fora e o nosso autor seguia com o seu brado de exaltação em meio aos últimos brindes pra sua volta pra casa. Quando o carro que o levaria encostou em frente ao botequim, quase posso afirmar que foi este o assunto com o motorista que conduziu o autor e sua Larissa até o planalto paulista.
Xico Sá, o escritor mais generoso do Universo!