Limonada não é de caju

As vantagens de ser um casal branco e bem-sucedido na luta contra o racismo que atinge milhares de pessoas negras no Brasil
Giovanna Ewbank, Bruno Gagliasso e Titi
30/08/2024

Juliana Souza, jovem advogada baiana, conseguiu, por meio de seu trabalho efetivo e competente, aprovar a maior pena da justiça brasileira pelo crime de racismo e injúria racial. Oito anos e nove meses de prisão, em regime fechado, foram aplicados à socialite Day McCathy, por proferir ofensas raciais nas redes sociais contra Titi, uma criança negra de quatro anos à época do crime (2017). Viva! Comemoremos. A criação de jurisprudência é algo fundamental e a gente gosta.

Titi é filha do casal de artistas Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso. Os dois entraram na mira dos holofotes das redes sociais após adotar duas crianças negras africanas. Por serem brancos e brasileiros, muita gente os questionou nas mídias digitais, advogando que, se queriam adotar, deveriam tê-lo feito com crianças brasileiras, que até poderiam ser negras. Os críticos tentaram esvaziar o caminho escolhido pela dupla branca e de olhos azuis para acolher os filhos que decidiram ter.

Com o passar dos anos, o casal começou a enfrentar situações de racismo que atingiam diretamente seus filhos. A partir daí, buscou compreender os mecanismos de opressão racista e como desarmá-los para proteger as crianças. Os dois passaram, também, a colocar suas figuras públicas a serviço do antirracismo, seja exercitando uma posição de respeito, escuta e aprendizado a partir dos conhecimentos de pessoas negras, seja atuando na linha de frente da proteção dos filhos.

Depois do caso de 2017 que logrou em 2024 o resultado de condenação na justiça descrito no início desta crônica, relembramos que em 2022, ganhou visibilidade nacional outro evento racista contra os filhos de Giovanna e Bruno, desta feita em Lisboa, Portugal. Naquela situação, as crianças, assim como um casal de africanos, foram alvo de discriminação racial. A personagem racista foi uma mulher branca. Na ocasião, Giovanna defendeu os rebentos como uma leoa e declarou, em entrevistas posteriores, que precisou fazer naquele dia o que mães negras são obrigadas a fazer a vida inteira. E disse mais: na condição de mulher branca, Giovanna teve sua repulsa acatada e apoiada por outras pessoas que observaram a cena e, principalmente, pela polícia, que considerou de pronto a denúncia e conduziu a denunciada à delegacia.

Giovanna Ewbank não forjou uma capa de heroína para si mesma por ter feito o que qualquer mãe faria para resguardar os filhos agredidos, ao contrário, demonstrou ter consciência de seus privilégios como mulher branca, que, diferentemente do que acontece com as mulheres negras, não foi chamada de louca ou violenta por gritar e desferir palavrões contra alguém que atacou suas crias. Por fim, a atriz se pronunciou publicamente após se inteirar do que pessoas negras, formadoras de opinião, haviam dito sobre o caso, seguindo os principais aspectos de análise abordados por elas. Talvez tenha até se aconselhado diretamente com alguém que explorou os ângulos mais relevantes da questão.

Comemoremos esta condenação recente, mas não nos esqueçamos que os pais de Titi são um jovem casal de artistas bem-sucedidos, endinheirados e brancos, brancos, de nome, sobrenome e aparência física. E isso, por óbvio, deve ter sensibilizado o júri.

Cidinha da Silva

É escritora e doutora em Difusão do Conhecimento. Publicou 21 livros, dentre eles, os premiados Um Exu em Nova York e O mar de Manu.

Rascunho