Novelas por elas

Um bem-humorado passeio pelas telenovelas, uma das mais importantes manifestações da cultura popular brasileira
Ilustração: Tereza Yamashita
26/06/2024

Sou uma dessas pessoas que odeiam telenovelas. Para mim, a maioria presta um desserviço à educação, são alienantes e, por vezes, estimulam maus costumes. Se você me conhece, já deve ter me ouvido reclamar sobre o drama interminável de O direito de nascer. Mas vou contar uma outra história para vocês.

Numa noite qualquer, enquanto zapeava os canais, deparei com uma reprise de Tropicaliente. Na hora, pensei: “isso é um verdadeiro Esplendor!”. E assim começou minha vida de noveleiro involuntário.

Elas por elas, as personagens foram me envolvendo numa trama tão arrebatadora quanto uma Escalada. Resisti, mas era como ser a Escrava Isaura do controle remoto, subjugado àquela programação.

O meu destino estava Escrito nas estrelas. E diante do Espelho mágico televisivo, me vi envolvido naquele Pantanal, entre O cravo e a rosa. Achei que precisava de uma Estrela-guia para me salvar. Até o Estúpido cupido parecia em conluio com a Eterna magia dessas tramas.

Então decidi: vou virar O rei do gado e comprar essa emissora, só para botar fim a tamanha tortura. Mas a promessa ficou De quina pra lua e assisti a novela até o final. Sim, admito, eu me encontrava numa Cama de gato de emoções.

Mesmo com a Força de um desejo de mudar de canal, me vi preso numa Guerra dos sexos, dividido entre Gabriela e Helena. Tentei escapar, mas a cabeça girava como um Bambolê. O Insensato coração me levava de volta à frente da tela.

Foi aí que Um anjo caiu do céu me fazendo indagar: “peraí, isso não se assemelha a um Jogo da vida?”.

Só que, entrementes, surgiu Locomotivas. Uma trama desenfreada como um vagão desgovernado, e percebi que estava envolvido novamente numa Mandala de sentimentos. O Olho no olho dos atores me hipnotizava. Lembrei-me de todos Os gigantes que já desafiaram a TV e me senti como um Pai herói fracassado, tentando me salvar, e a família, da influência maléfica das novelas.

Paraíso tropical? Longe disso. O bem-amado se tornaria o próximo pesadelo. A luta entre minha Passione, e o Pé na jaca para desligar a TV, parecia interminável. Tentei até jogar Pedra sobre pedra para bloquear o sinal, mas infelizmente as Duas caras me mantiveram dividido.

No final, era como viver Cobras e lagartos com os folhetins eletrônicos. Páginas da vida que eu não queria, mas que continuavam a ser escritas.

E assim, no dilema típico de um Que rei sou eu?, me desesperei e dei para gritar pelos cômodos: “Uga, Uga”. Nem a Rainha da sucata conseguiu me libertar. Marron glacé ou Feijão maravilha, tudo era uma Salsa e merengue de perturbações desconexas.

Então, se um dia me encontrarem Sassaricando pela sala de estar, saibam que essa é uma Selva de pedra que não escolhi. Sem Lenço, sem documento, mas com muitos dramas vivenciados, minha existência se transformou num eterno Renascer. Ai, como é terrível ter Duas vidas! Nem mesmo O clone suportaria tanta ambiguidade.

Bom, chega de Ti ti ti, preciso me controlar para não rever Tieta. Espero que nos próximos capítulos acabe esse Morde e assopra.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

Rascunho