Se excetuarmos os diplomatas, devo ser das poucas criaturas que visitou a Índia mais de uma vez. A explicação está na mãe de um dos meus filhos. Ela estudou yoga na cidade de Khajuraho e a acompanhei algumas vezes por andanças pelo sul da Ásia.
Escrevo esta crônica mais no intuito de relembrar a minha passagem por lá do que propriamente para fazer literatura de viagem — se é que faço.
Dizem que a primeira imagem que se vê numa localidade para onde nunca se foi é o que ficará nas retinas. Pois, para mim, foi uma vaca. Estava deitada na frente do ônibus que me levaria do aeroporto ao hotel, ruminando com a calma dos beatos.
Passaram-se muitos minutos e nada do coletivo se mexer. Fui então perguntar ao impassível motorista o que acontecia. “Não podemos tocar na vaca” — me explicou o sikh de longas barbas.
Ficamos mais de meia hora estacionados na calçada. Até o bovino decidir se erguer e ir pastar em outra freguesia.
A situação resume a Índia. Há certas peculiaridades como essa que não acontecem em nenhuma parte do planeta, somente nos domínios de Gandhi (apesar de que o gado também incomoda no Brasil).
No dia seguinte, depois de me refazer do jet lag, decidi começar de leve nos passeios. Simplesmente, atravessei a avenida e fui observar o que acontecia numa enorme praça defronte ao hotel.
Havia de tudo no pedaço: barbeiros, músicos, vendedores de chá, lassi (suco à base de iogurte e frutas), pão naan. Também havia um sem-número de pedintes, açougueiros e massagistas. Foi um deles que passou a me seguir, o tempo todo, berrando:
— Massage, massage, massage!
Diante de tamanha insistência, acabei topando a oferta. Antes de iniciar os trabalhos manuais, o homem quis saber minha nacionalidade. Ao revelar que era brasileiro, seus olhos brilharam de felicidade. Cheguei a pensar que, como alguns dos seus compatriotas, me perguntaria sobre Paulo Coelho ou Gisele Bündchen. Porém, me falou, emocionado:
— Sir, há muitos anos guardo os comentários de um brasileiro em meu livro de visitas. Mas está em sua língua e aqui ninguém conhece o português. Poderia traduzir para mim o que ele escreveu? Por favor! Tenho muita curiosidade…
Ao proferir tais palavras, me jogou nas mãos um enorme e ensebado caderno de capa dura e preta. Transido de emoção, abriu na página em que meu conterrâneo deixara as opiniões sobre os seus serviços.
— Please, sir, translate, translate! — implorava o velho indiano, as mãos trêmulas.
Um certo Rodrigo P., do Rio de Janeiro, redigira as seguintes linhas: “Cara, a massagem desse indiano é uma merda”.
A observação resume o Brasil.
O idoso massagista me olhava com enorme curiosidade, como se eu fosse revelar algum segredo do deus Shiva. Depois de pensar um pouco, fingindo estar com uma certa dificuldade em entender a frase, resolvi lhe dizer:
— Parabéns! O senhor Rodrigo, da cidade do Rio de Janeiro, anotou o seguinte no seu caderno:
“Meus amigos, a massagem desse homem sábio me levou ao Nirvana, foi a coisa mais sensacional na minha viagem à Índia”.
O indiano não cabia em si. Apontou para os garranchos do carioca, querendo mais detalhes sobre cada uma das palavras. Dessa vez, tive que apelar:
— Exatamente: merda, em português, é Nirvana.
Ao ouvir tal revelação, ele saiu correndo pela praça gritando:
— Merda! Merda! Merda!
Aproveitei para me escafeder em direção ao hotel. E, claro, torcendo para que não houvesse nenhuma vaca deitada no meio do caminho.