O G da questão

O olhar do romancista O. G. Rego de Carvalho sobre as gentes do Piauí é muito mais interior do que solar
O. G. Rego de Carvalho, autor de “Rio subterrâneo”
03/04/2024

A literatura dos maiores centros brasileiros não é tão conhecida como deveria. Imagine, leitor, a literatura piauiense. Não deixa de ser uma pena. Em todo e qualquer estado brasileiro, há, ao menos um, escriba digno de fardão, nunca de camisola de dormir.

Como talvez eu seja o único cronista piauizeiro deste veículo, cumpre, vez em quando, propalar as artes do meu torrão natal. Agora, será a vez de falar de Orlando Geraldo Rego de Carvalho.

Mais conhecido como O. G. Rego de Carvalho, ele foi um importante romancista piauiense. Nasceu em 1930, em Oeiras. Reconhecido pela qualidade de sua obra, recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal do Piauí. Ocupou ainda a cadeira número 6 da Academia Piauiense de Letras. Morreu em 2013, aos 83 anos.

Como membro ativo da Geração 45, O. G. fundou a revista Caderno de Letras Meridiano, em 1949, ao lado do poeta H. Dobal e do crítico Paulo Nunes, estabelecendo um marco no modernismo piauiense.

Entre suas obras, destaca-se Rio subterrâneo, que revela as profundezas das neuroses e conflitos humanos. Outros títulos a destacar são Ulisses entre o amor e a morte, e Somos todos inocentes.

Em Como e por que me fiz escritor, o autor explica como foi o seu processo de criação em Ulisses entre o amor e a morte:

Eu então imaginei, já com 19 anos de idade, escrever um romance após outro, acompanhando a vida de um personagem ou de uma família, ou até mais de uma geração. Eu não sabia que essa técnica tinha sido usada por outros escritores como Faulkner, por exemplo. Fazer isso é o chamado “roman fleuve”, romance-rio, em que uma história se sucede à outra, interminavelmente. Eu não sabia da sua existência, mas já tinha esse plano e, pra falar a verdade, eu gosto muito de uma frase do Manuel Bandeira, poeta que vocês todos conhecem e amam. Manuel Bandeira disse: “O rio da inspiração nasce para todos”. O fato de Faulkner ter escrito lá, nos Estados Unidos, o “roman fleuve”, o romance-rio, não quer dizer que essa inspiração eu não pudesse ter aqui, em Teresina.

De fato, quem lê O. G. logo nota uma sutil faulkneridade. Seu olhar sobre as gentes do Piauí é muito mais interior do que solar, apesar da luminância e quentura dos céus do Meio Norte.

Em recente crônica no jornal teresinense O Dia (Piauintrovertido), tratei dessa introspecção de alguns dos meus conterrâneos.

Não tenho nada contra a desinibição de baianos, sergipanos, pernambucanos, mexicanos, mas acho ótimo ser como somos. Desde muito jovem, meu pai, outro piauiense retraído por natureza, me aconselhava: “tente falar pouco e redobre o uso dos ouvidos”. Segui o ensinamento à risca.

Suponho que tal circunspecção tenha inclusive influenciado a estética das obras de H. Dobal, O. G. Rego, Mário Faustino, Assis Brasil, Da Costa e Silva, Antônio José Soares Brandão. Isso não é pouca coisa. Ou como diz o poeta Climério Ferreira:

prezo o silêncio que diz tudo

em voz baixa

No popular: o piauiense é o mineiro do Nordeste.

Em meu entender, O. G. Rego teria tal fisionomia literária. Por outro lado, não há nenhum resquício de pieguismo em seus escritos. Como ele próprio apregoava:

O autor não pode ter piedade de si mesmo, tem que se expor a nu, nem que seja para o ridículo, mas tem que se expor. E isto é o que falta fundamentalmente na maioria dos escritores piauienses. É exatamente essa sinceridade absoluta de escrever como se estivesse rasgando o coração.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

Rascunho