Parece ser mesmo a matéria principal da poesia de Ruy Espinheira Filho, como bem apontou Alexei Bueno, a memória, o vivido. No conjunto inicial de textos de sua Poesia reunida e inéditos (Record, 2005), Longe de Sírius, Marinha, Poções revisitado são poemas que têm em comum a suspensão do tempo para o deleite, para o momento especial de contemplação poética e/ou de plenitude diante da natureza, da vida. “Parece a vida estar completa” — é mesmo a sensação que esses poemas passam. Os sonetos são bem elaborados, sendo que o gênero consagrado se revitaliza (como vem ocorrendo com um Glauco Mattoso, por exemplo) nas mãos do poeta: nota-se o rigor no ritmo e na linguagem, não raro coloquial, contemporânea — especialmente Soneto para Sandra e Soneto do fantasma. Comovente, perturbador, o poema O pai, feito para o pai falecido. A paisagem do cemitério, com suas “árvores exaustas de velar os mortos”, é signo forte da perda. E, concordando ainda com Alexei Bueno, é mesmo de muita beleza Endereços — outro poema da saudade: “Vai rasgando lentamente/ os retângulos que um dia/ lhe ofereceram corretos/ límpidos rumos de vida,/ cálidos clarões de afeto/ — e se tornaram palavras/ inúteis, que os endereços/ agora são outros e/ só em lápides inscritos”. Aliás, Ruy é um poeta das perdas. É disso que trata boa parte de seus poemas: a perda, cujo objeto é associado à leveza ou à própria poesia, confrontada com um presente vazio, pesado, despoetizado. Nem preciso dizer que isto também está presente no primoroso Janeiro, que constou anteriormente da antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século (Geração Editorial, 2001 — org. José Nêumanne Pinto): “Janeiro descia com as chuvas e inventava besouros/ e borboletas e pássaros e girinos e/ caminhávamos descalços no barro/ […] E é para sempre/ para nunca mais/ este exílio”. Poesia de muito valor, bebida em Drummond (especialmente), sem adiposidades, com uma carga de lirismo que encanta também pelo equilíbrio, sempre posto na dose exata.