Estou na sala de espera do dentista. Como sempre, o doutor Sullivan está atrasado. Ao meu lado, um homem atarracado, com a face enrugada como uma persiana, folheia uma revista. “Chamo-me Vernon. Sou primo do doutor. E o senhor, como se chama?” Examino o homem, parece desamparado, pede socorro. Terá medo de dentista?
Também eu preciso de paciência para esperar pelo desordenado doutor Sullivan. Antes de mim, não só o tal Vernon, que se diz primo do dentista, mas uma senhora gorda, de bigodes, bustos imensos, com um medalhão em forma de serpente, que rói as unhas.
“Meu pai foi construtor”, o senhor Vernon me diz. “Construiu pontes.” Conta que o pai trabalhou na obra do Viaduto da Curva, que fica a duas quadras dali. “Construiu também uma ponte em Roraima, sobre o rio Anauná”, acrescenta. Infelizmente uma borrasca a destruiu. “Hoje é preciso, novamente, usar a balsa.”
Por gentileza, por uma amabilidade mórbida que me caracteriza, pergunto pelo nome de seu pai. “José”, responde. Eu poderia ser um construtor de pontes, penso. Eu poderia tudo, mas terminei no jornalismo. Que besteira, joguei a vida fora. Ainda por polidez, pergunto: “Seu pai está vivo?”. Diz que o pai hoje cuida de porcos. Desistiu das pontes. “Os porcos agora lhe trazem a felicidade”, explica.
O senhor Vernon espera que eu continue a conversa, que lhe faça novas perguntas, que o distraia. Não tenho a menor vontade de fazer novas perguntas. Ainda assim, por absurdo, pergunto: “Seu pai também é paciente do doutor?”. Não precisa mais de dentistas, usa uma dentadura. “Agora fica em casa com seus porcos. Tenta construir pontes com minha mãe, mas os dois não se entendem e elas desabam.”
Enquanto fala do pai, o senhor Vernon parece feliz. Não é uma felicidade forte, escandalosa, é discreta e quase triste. “Tenho pena de meu pai”, ele diz. “Hoje, sem pontes para construir, afunda entre os porcos. A verdade é que ele não está nada bem.”
Como o leitor sabe, sou dado a impulsos incompreensíveis. Impulsos odiosos, que me carregam para situações onde nunca planejei estar e onde, de fato, eu não deveria estar. “Eu poderia visitar seu pai”, digo, horrorizado com o que digo. “Quem sabe conversamos um pouco?”
Estudei com os jesuítas. Quando menino, achava que deveria salvar o mundo. Em uma ousadia imperdoável, eu me identificava com o salvador. Até hoje, em muitas situações, vejo-me obrigado a ajudar alguém, ou a amparar alguém. Vivo agora uma dessas situações. O senhor Vernon se entusiasma: “Meu pai vai adorar sua visita”.
E aqui estou eu, diante do senhor José Sullivan, o velho construtor de pontes. Porcos nefastos nos cercam. Sim, é no chiqueiro que ele me recebe — como se estivesse em sua sala de visitas. Olha-me com desconfiança. Ignorando-me, vira-se para o filho e pergunta: “O que esse sujeito quer de mim?”.
O senhor Vernon explica ao pai que nada quero, que é ele, seu pai, quem deve querer alguma coisa de mim. “Eu? Querer o quê?” O filho lhe recorda que ele é um exímio construtor de pontes. Assinala, então, que eu sou a outra margem que ele, agora, deve alcançar. A isso me vejo reduzido: a uma borda.
“Não quero nada com esse sujeito”, o velho José diz. Abaixa-se e passa a acariciar um porco. “Melhor eu me retirar”, digo. Mas o senhor Vernon insiste que não, que com seu pai as coisas são sempre lentas e que ainda seremos grandes amigos. “Realmente preciso ir”, insisto, enquanto me levanto. Ele se põe à minha frente e, com um ar ríspido, diz: “Daqui o senhor não sai”.
Meu velho psiquiatra, o doutor Pacheco, sempre me dizia que tenho o vício dos obstáculos. Vivo a criar barreiras para mim mesmo. Empecilhos, dificuldades. Eis aqui mais uma prova. Para não dramatizar a situação, sento-me novamente, agora sobre um caixote. Tento me manter calmo, embora trema. Não quero construir ponte alguma com o senhor José. Mal construo pontes comigo mesmo.
O velho José passa a recordar sua vida de construtor. Lembra de minúcias, detalhes inúteis, miudezas. Não quero saber de nada, mas agora ele me transforma em uma grande orelha na qual despeja seu passado. Não tenho mais como escapar, resta-me a resignação. Sou a outra margem sobre a qual o senhor José Sullivan, o construtor de pontes, se lança.
Um porco passa a lamber meus pés. Não sei o que fazer, não sei se devo temer o porco, ou sentir nojo. Será que o porco me pede carinho? Talvez o porco também esteja desamparado. Talvez, como o velho construtor José, também precise de afeto. “Ele se chama Oswaldo”, o velho diz. “É meu preferido.” Não há pontes a construir com um homem que despreza os outros homens e dá mais valor aos bichos.
“Papai, conte-lhe sobre a época em que você construiu um farol”, o senhor Vernon pede. “Aquilo não tem importância, aquilo não era uma ponte”, o velho José diz. “Foi só um bico.” Volta a recordar detalhes espinhosos de seu trabalho no Viaduto da Curva. Parece ter sido sua grande obra. “Foi minha pirâmide”, compara. Entre os porcos, Quéops se vangloria de seu passado.
“Talvez isso pelo menos me renda uma crônica”, eu penso. O bom na literatura é que tudo se aproveita, nada se perde. E agora aqui estou, escrevendo minha crônica sobre o faraó dos porcos. Quem poderá se interessar por ela? O desânimo me abate. Nisso, toca o celular. É o senhor Vernon. Não me lembro de ter lhe dado meu número, mas é ele.
“Meu pai gostaria de revê-lo”, ele diz. Marca um almoço para aquele mesmo dia — e eu, o sem noção, o inepto, aceito. Agora estamos frente a frente, separados só por uma garrafa de vinho. “O senhor é um grande amigo”, José, o construtor de pontes, me diz. Parece realmente emocionado. “Há muito tempo papai não recebe visitas”, o senhor Vernon explica. Depois reclama de uma obturação, que ficou malfeita. “O médico diz que meu dente não tem jeito.”
O doutor Sullivan lhe disse que precisa colocar uma ponte no lugar do dente estragado. Uma prótese que disfarce a ausência do dente perdido. Pontes, sempre as pontes. Mas, na verdade, de que servem? Observo José, o velho construtor de pontes. Pontes são próteses, que mal disfarçam a solidão. Melhor talvez ficar entre os porcos.