Esta será uma crônica angustiante, pelo menos foi quando essa história ocorreu, num atendimento feito por mais de uma pessoa na nossa livraria. Ainda hoje é comum clientes ligarem no telefone fixo para perguntar sobre algum título que possa estar disponível para retirada imediata. Nesses casos somos mais rápidos que os concorrentes ponto com, e os clientes podem resolver a missão em questão de algumas horas.
Foi isso mesmo que aconteceu dia desses. Vejo um exemplar do Angústia do Graciliano Ramos separado no nicho das encomendas, próximo ao caixa da livraria. A obra está na bibliografia da Fuvest, o que gera boa procura ainda mais na última hora, no soar do gongo do prazo final. Reparei que no dia anterior havia três exemplares à venda e agora só tinha aquele, reservado. A funcionária atendeu a cliente e separou para que ela retirasse pessoalmente no mesmo dia, tudo certo.
Despeço-me da funcionária às 17h, o expediente segue até às 19h de segunda a sábado. Seguimos na livraria eu e o outro colaborador, ele atendendo no café, eu na livraria, doce rotina. Toca o telefone fixo, eu mesmo atendo uma cliente pedindo exatamente o Graciliano mais uma vez. Eu a noto aflita, digo que tenho sim um exemplar, mas está reservado. Ela fica mais aflita, eu vou até o livro, vejo um nome e um número de telefone, digo para ela que vou ligar para a outra cliente confirmando o interesse na compra, peço dez minutos para ter a resposta. Ela aceita e diz que vai me ligar novamente.
Pego o papel e ligo para a primeira cliente, Patrícia se não me engano, me atende uma voz feminina dizendo que não fez encomenda alguma. Volto a olhar para o papel já com dúvidas sobre a letra, ops!, números, da funcionária. Nisso, toca novamente o telefone, era a cliente angustiada. Bem, como liguei sem sucesso, acabei separando o livro para ela e dentro de meia hora a recebi na livraria. Ela comprou o livro e saiu porta afora. Eu pedi um café e segui conversando com um amigo da casa tranquilamente quando outra cliente adentra o recinto, adivinha quem era? Bingo! A Patrícia, do bilhete, que ainda estava na minha frente, abandonado, perdido do livro que já estava em poder da cliente que saiu há uns dois minutos se tanto.
O nível de angústia se elevou, eu lhe disse que havia ligado, e mostrei o bilhete, ela olhou e notou que o último número anotado na pressa parecia ser um quatro, mas não era, eu digitei um oito ou vice versa, olha só o clima que se instalou. A cliente fica desalentada, começa a se culpar por deixar para a última hora a compra do livro que não tinha também na livraria vizinha, a Martins Fontes. Eu, angustiado, olhava para ela e ela para mim quando me vem uma lembrança. Há anos havia ganhado como cortesia da Record um exemplar do Angústia, as editoras enviam volta e meia um livro com um carimbo “cortesia do editor”, e eu pensei que talvez ainda tivesse esse livro no meu escritório no primeiro andar da Realejo.
Pedi um minuto sem dizer que havia uma esperança, subi as escadas e depois de vasculhar algumas prateleiras achei o livro. Ela se emociona quando desço aliviado com o seu livro em mãos. Digo que é de graça, por conta do carimbo, ela fica indignada e insiste em pagar, eu deixo o sangue dos antepassados fluir e aceito o pagamento. Ela sai radiante, eu peço outro café porque aquele esfriou.