Gosto dos vídeos de Quinn’s Ideas, que descobri quando investigava o universo de H. P. Lovecraft. Assistir a resenhas em vídeo sobre ficção científica — gênero que admiro, mas mantenho a uma distância respeitosa — é uma forma de descansar, e permanecer ao mesmo tempo no mundo dos livros. A essa altura da vida, já entendi que escritores não leem tanto quanto gostariam, assim como cineastas não assistem a tantos filmes. No seu tempo livre, você precisa descansar daquilo que passou o dia fazendo.
A voz de Quinn me agrada. Barítono, sóbrio, meio áspero. Na maioria dos vídeos, aparece apenas sua estante, não seu rosto. Na tela, frases dos livros sob uma trilha musical de suspense. Imagens do espaço sideral, planetas, naves intergaláticas. Dimensões cósmicas são meu escapismo favorito.
Meses atrás, Quinn recomendou uma trilogia que, em sua opinião, está entre as melhores obras de ficção especulativa das últimas décadas: O problema dos três corpos. Liu Cixin, o autor, é nascido e vive na China. Eu precisava de um novo livro para a hora de dormir, e esses três pontos me convenceram: um belo título, uma recomendação confiável, e um autor não-eurocêntrico.
Comprei o livro no Kindle (antes de dormir, prefiro livros digitais, o que me dispensa da luz de cabeceira). Li o primeiro capítulo (bem escrito, mas pesado), e pulei umas trinta páginas para chegar logo aos mistérios. No capítulo 7, finalmente, apareceram os três corpos do título: um videogame, no site www.3corpos.net.
Adoro narrações de realidade virtual, em romances. Passa-se com facilidade, de uma linha para outra, do material ao mental. Afinal são apenas palavras, a diferença entre o real e o virtual é quase nenhuma — tudo é ficção. Liu Cixin assim narra, em O problema dos três corpos:
Penou para vestir a jaqueta de resposta sensorial, colocou o capacete com visor panorâmico e ligou o computador. […] Após entrar no jogo, Wang se viu no meio de uma planície desolada ao amanhecer.
Didático com leitores, ele deixa clara a travessia: “após entrar no jogo”.
Philip K. Dick explica menos, em Os três estigmas de Palmer Eldritch. Quando seus personagens tomam a droga Can-D para se transportar mentalmente ao ambiente idílico de Pat Insolente (uma espécie de mundo Barbie), ele apenas encerra o parágrafo. Numa linha, Fran mastiga. Na linha seguinte, os personagens já enxergam pelos olhos de seus avatares:
Ele deu a ela metade de uma tira de Can-D, depois colocou o pedaço dele na boca e mastigou com voracidade. […] Ainda parecendo desolada, Fran também mastigou. […] Ele era Walt. Tinha uma nave esporte Jaguar XXB com velocidade máxima de vinte e quatro mil quilômetros por hora.
Quando comecei a escrever Uma mulher sem ambição, a história se chamava “Os dias de Violeta” (nome original da protagonista). O segundo capítulo narrava um sábado: sozinha em sua quitinete, Violeta jogava no computador, enquanto pensava no divórcio de seus pais. “Acabei voltando às pequenas alegrias de infância, aquelas que resistiram à separação dos meus pais — jogando videogame numa quitinete.”
O capítulo alternava, parágrafo a parágrafo, lembranças e jogo. Eu gostava dessas páginas. A personagem sentada em seu quarto, sem grandes gestos. A narração surgia em seu mundo interior: a memória, e o mundo virtual.
Se algum dia um leitor amanhecer curioso com os detalhes da minha biografia, poderá descobrir, no site da USP, que no mestrado estudei os videogames. Escrevi um capítulo inteiro sobre The Sims (o primeiro, do ano 2000):
O aspecto voyeurista do jogo é fundamental. Um Sim pode beijar o outro. Namorando no sofá, podem beijar-se e acariciar-se. Podem dormir juntos, brincar na cama vibratória. Para o jogador, o prazer é assistir a cena. Criar personagens de acordo com seus fetiches, e ficar assistindo.
Videogames, assim como a ficção científica, são um universo que admiro, mas mantenho a distância segura. Em Uma mulher sem ambição, reduzi rigorosamente as páginas sobre joguinhos de computador. Era uma curtição minha, mas estava sobrando. A essa altura da vida, já entendi que escritores se divertem menos do que gostariam, se querem tempo para escrever alguma coisa.