Semana passada estive em Curitiba, onde nasci e cresci, para o lançamento de um livro. Aproveitei a sexta-feira chuvosa para buscar no cartório um documento. Na volta, olhei o céu, estava seco. Resolvi caminhar em direção ao centro enquanto fosse possível — se voltasse a chover, pegaria um táxi. O tempo estabilizou e logo já tinha passado o teatro Guaíra, pelo caminho que fazia, aos quinze anos, quando estudei na avenida Sete de Setembro.
Entrei pelo portão lateral do Passeio Público, como fazia na adolescência. Contornei o lago dos pedalinhos, buscando o portão da Casa do Estudante, em direção ao bairro da minha mãe. O dia frio, nublado e vazio.
Naquele mesmo caminho, aos quinze anos. Solitária, melancólica, eu voltava da aula, e um rapazinho se aproximou puxando conversa. Adolescente também: gordinho, espinhas, uniforme do Colégio Estadual. Não levantei os olhos do chão. Ele pediu meu número de telefone, para ligar e conversar… enfim, eu tinha quinze anos, ele também.
O gesto singelo — o telefone anotado numa folha de caderno — deu início ao pânico. O rapazinho ligou e meu irmão me passou a ligação, rindo: “Um guri quer falar com você”. Apavorada, desliguei. O rapaz ligou de novo. Eu disse que era engano. Ele insistiu, não acreditava, tinha certeza que era eu. Meu irmão percebeu tudo: o rapaz sabia meu nome, afinal. A tortura se repetiu no dia seguinte, e no outro. Terror.
Do que eu tinha tanto medo? Das risadas, de bronca?
Medo paralisante de conversar com o rapazinho.
Se as coisas fossem diferentes… Se eu não fosse curitibana, se não trouxesse nas veias a obsessão da classe média com a autopreservação, se já tivesse ouvido Jair Rodrigues… Se eu soubesse… “Faz mal bater um papo assim gostoso com alguém?” Fazia, eu achava.
Agora uma pausa, para manter o compromisso que firmei com meus botões. Sim, eu tenho botões, gosto de camisas.
O pacto que fizemos, meus botões e eu, é que o tema destas crônicas são livros, leitores, escritores e companhia. E a lembrança do rapazinho do Colégio Estadual, o que tem a ver com literatura?
Vamos esmiuçá-la.
Desde essa idade, eu queria escrever. E não conseguia.
Ao mesmo tempo, apesar de solitária, eu me considerava uma pessoa corajosa.
O pavor que senti, ao telefone, ouvindo o rapazinho que só queria conversar, foi uma grande surpresa para mim. De onde vinha tanto medo?
O que aconteceria de tão assustador? Ele parecia inofensivo e desajeitado como eu. Lá no fundo, tímida e frágil, eu queria conversar com o rapazinho. Sobre o que conversaríamos? O medo venceu, e nunca descobri.
Só descobri que algo me assustava.
Algo que eu desconhecia.
E tudo se misturou: ultrapassar o medo, superar o que eu nem sabia o que era, se tornou uma missão urgente e confusa, que unia viver e escrever.
Foi um longo caminho até eu conseguir me libertar. Até o momento em que tudo é solto, e palavras e ações são colhidas casualmente no ar.
Decifrado o enigma, a missão se evapora. E finalmente chegamos à literatura.
A literatura: é que, esse segredo, eu não conto. Só conto historinhas. Era uma vez um dia úmido… eu estava em Curitiba, e busquei um documento no cartório. Na volta, caminhando, atravessei o Passeio Público. E lembrei de um rapazinho que sabe lá por onde anda.