Saiu por esses dias, a Livraria Cultura faliu, acho que dessa vez de uma vez por todas. Espero não parecer ansioso por dizer assim, de supetão, tal notícia, nem de parecer feliz. Não estou nem um pouco feliz em dividir com vocês o obituário do gigante de varejo de livros tupiniquim, mas, lembrando do meu finado sogro, um sábio de pouco estudo, que dizia um ditado popular português: “Pelo suicida não se reza missa”.
Eu sei, faz pensar, é uma frase dura, rude como alguns antigos, mas nunca é mentirosa. Ora, a Cultura estava adernando há quase uma década, a nau não ia de vento em popa desde 2014, quando começou a atrasar faturas para acertos com editoras grandes e pequenas. Eu, que, além de livreiro, sou editor, pasmem, também não recebi pelos livros que vendi à gigante.
E por que suicidas? Falando apenas como quem recebe as notícias vindas de fontes de imprensa e redes sociais e ainda de amigos do mercado editorial, ou seja, com pouca autoridade, mas com alguma janela pra dizer sobre serem livreiros, os Herz levantaram uma fortuna em banco e saíram pelo Brasil afora inaugurando filiais, foram se distanciando do modelo inicial, uma livraria com enorme e diversificado acervo com curadoria atenta, com livreiros informados, para virarem uma rede asséptica com bonitas lojas de livros com badulaques eletrônicos. A pergunta que me faço é: será que esse crescimento era necessário? Era orgânico? Era impossível já atender a demanda em uma única e lucrativa livraria na avenida Paulista? Crescer é um direito de todo empreendedor. Eu já vivi isso e, curiosamente, quebrei a cara quando tentei, me perdi entre as tarefas, me sentia sempre correndo atrás do trabalho. Tinha mais aborrecimentos e deixei de ser livreiro para mer tornar empresário na boca dos outros. Tudo bem, isso são rótulos impostos, mas no mínimo os Herz se perderam nesse passo trôpego.
Outro ponto notável, o nascimento de mais de uma dezena de novas livrarias só na cidade de São Paulo. Imagina nas outras cidades brasileiras? E essas livrarias são formidáveis, são livrarias de nicho, cada uma com uma linguagem, uma especialidade, e claro, são livrarias de rua.
Outra reflexão que cabe: será que o fim da Cultura abriu espaço para propostas mais arrojadas de livrarias?
Sou uma máquina de fazer perguntas e raras são as respostas, mas esse é o início do pensamento, o terreno das dúvidas. Falando nisso, será que um dia vou receber pelos livros que vendi à Cultura? Ou ao falir vai tudo pra cucuia?
Seguimos sem certezas, mas muito atentos, nós, os livreiros.