Dia sete de junho começa a Feira do Livro no Pacaembu. Mandei mensagem para amigas do meio editorial, e marcamos um café. Isso me fez lembrar que, ano passado, visitei os estandes das editoras que publicaram meus últimos livros. Conversamos um pouco, ideias soltas, gentilezas. Agora uma das casas tem uma nova editora-chefe e eu deveria aproveitar a feira para conhecê-la. Isso me faz lembrar que não tenho nenhum original novo para mostrar.
Desde o ano passado trabalho num projeto que surgiu com um vento de tristeza, um projeto de amigos, que abracei, por suas raízes afetivas profundas.
Isso me faz lembrar que antes disso tudo abandonei outro livro pela metade. Já estava em dúvidas sobre ele antes do abandono. Poucas páginas ali me interessavam, a não ser algumas cenas com uma mulher magrinha e um homem grande e barbudo. Quando aconteceu, perdi definitivamente a intenção de retomar.
Esse livro estaria perto de ficar pronto, agora. Escrevi mais de cinquenta páginas. Havia alguns parágrafos bonitos. Os pormenores do cotidiano de um casal que se dissolve.
As primeiras páginas descreviam a mudança de casa: a mulher pega suas coisas e deixa o apartamento onde vivia com o (agora) ex-marido. Eu pretendia seguir em frente, mas acabei voltando para trás, na cronologia da história.
As páginas dessa mudança ficaram muito tristes.
Isso me faz pensar que nada é definitivo. O abandono literário, sobretudo, é momentâneo. Um livro pela metade pode ser retomado. Eu poderia simplificar o plano inicial, e apenas concluir o que já escrevi: um livro curtinho sobre divórcio.
Um livro triste, o desamparo da separação. Sem ironia, sem medo da dor.
Já pensei tanto sobre divórcio — um tema que me assombra. Sempre nas entrelinhas, em segundo plano, nos prólogos e epílogos. Agora diria tudo, frente a frente.
Poderia buscar fragmentos nas pastas subterrâneas do meu computador, num diretório literatura/antigos/antigos/antigos. Algo que escrevi num quarto de fundos, um esboço de conto simulando um artigo científico:
Procedemos a uma relação sexual, para início da qual eu tomei a incitava, em estado de embriaguez… Não desejei conscientemente a paixão, mas sim desejei a relação sexual que a desencadeou… Um período de solidão e depressão por ausência do objeto amado que eu já não frequentava… Reagi violentamente a todos os comentários de que “eu amava tal pessoa porque se parecia com meu pai”… As conversas resultaram superficiais e frustrantes, e estando minha ânsia e sofrimento a níveis desconfortantes, resolvi concluir que o ocorrido comigo era um caso real de amor à primeira vista.
Mostrei esse texto a um professor, que achou “estranho”.
Estranho é bom.
Isso me dá vontade de escrever.