Publicado originalmente em capítulos na revista literária Gunzō, entre 1978 e 1979, Território da luz consolidou Yuko Tsushima como uma das mais relevantes vozes da literatura japonesa contemporânea. A narrativa fragmentada em doze textos independentes, depois reunidos em livro, acompanha mês a mês a vida de uma jovem mãe solo que, recém-separada do marido, aluga um apartamento em Tóquio para viver com a filha pequena. A nova morada, com janelas abertas para todos os lados, é inundada por uma claridade intensa, que contrasta com a escuridão pegajosa que se instala no íntimo da narradora. A luz é símbolo ambivalente: ao mesmo tempo que ilumina, expõe a fragilidade e a solidão da protagonista diante da reconstrução de sua vida. Distante do círculo de amizades do passado e decidida a não recorrer à ajuda da mãe, ela enfrenta a árdua tarefa de reafirmar sua identidade, assumir a maternidade em condições adversas e lidar com as contradições que surgem desse processo. Ao longo de um ano, vemos as pequenas vitórias e recaídas dessa mulher, que oscila entre o desejo de autonomia e a experiência sufocante do isolamento. Tsushima evita qualquer sentimentalismo fácil ou tom de autopiedade: sua escrita aposta na exposição crua das emoções, atravessada por imagens de grande potência poética, que permanecem gravadas na memória do leitor.
A força do romance está justamente nesse contraste entre uma prosa de aparente simplicidade — quase banal em sua superfície — e a profundidade das questões que a autora mobiliza. O cotidiano, descrito em suas repetições e pequenas rupturas, ganha densidade existencial. A luta íntima da narradora reflete também um conflito social: a posição marginalizada da mulher no Japão da segunda metade do século 20, especialmente das mães solteiras, alvo de preconceito e abandono institucional. Em diálogo com a escritora francesa Annie Ernaux, Tsushima certa vez afirmou: “há algo único na experiência de escrever como mulher. Talvez pelo fato de nossa existência ser quase totalmente excluída da história escrita, as escritoras carregam consigo as vozes do invisível, que são tão ricas. Sinto uma certa felicidade quando penso que, como mulher, há infinitamente mais coisas sobre as quais posso escrever do que um homem”. Essa declaração ilumina o gesto literário de Território da luz: dar voz ao que estava fora do registro oficial, ao invisível da experiência feminina, ao silêncio da maternidade solitária.
A prosa de Tsushima é dolorosamente elegante, atravessada por momentos de lirismo que jamais se distanciam da dureza da vida retratada. A autora transforma em matéria literária o choque entre luz e sombra, alegria e melancolia, esperança e resignação. Em sua narrativa, felicidade e superação caminham lado a lado com a dor, a culpa e a solidão. O romance revela, assim, tanto o lado cruel da maternidade — frequentemente romantizada — quanto a capacidade de resistência de uma mulher que insiste em reinventar-se em meio ao abandono. Território da luz é também um livro sobre empoderamento, ainda que num sentido não panfletário. O gesto de habitar sozinha um espaço, de se sustentar financeiramente, de não recuar diante do julgamento social, é, em si, revolucionário. A narradora não busca ser exemplar nem heroica, mas humana em sua fragilidade. E é justamente nesse terreno ambíguo, feito de pequenas conquistas e recaídas, que a obra encontra sua beleza singular.