🔓 Os elefantes viriam pela manhã

A antologia reúne treze autores de diferentes gerações, estilos e formações, todos convidados a prestar homenagem a Dalton Trevisan
Os elefantes viriam pela manhã
Org.: Rogério Faria Tavares
Autêntica
142 págs.
01/10/2025

O conto sempre ocupou um lugar de destaque na literatura brasileira. Desde Machado de Assis, que soube condensar em poucas páginas a agudeza de sua observação social, até Dalton Trevisan, que transformou a concisão em estilo inconfundível, a forma breve acompanha a história literária do país com vigor e diversidade. Em um mercado dominado pelo romance, coleções de contos funcionam como espaço de resistência, renovação e experimentação. É nesse horizonte que se insere Os elefantes viriam pela manhã, organizado por Rogério Faria Tavares.

A antologia reúne treze autores de diferentes gerações, estilos e formações, todos convidados a prestar homenagem a Dalton Trevisan. Essa reverência não é gratuita: trata-se de um dos nomes mais discretos e, ao mesmo tempo, mais marcantes da literatura brasileira contemporânea, cuja obra alcançou rara densidade sem jamais se render a modismos. Ler os contos reunidos aqui é testemunhar como a influência de Trevisan se manifesta em múltiplas chaves — seja pela economia verbal, pela dureza dos diálogos, pelo humor corrosivo ou pela atenção às fissuras do cotidiano.

Ao organizar a antologia, Rogério Faria Tavares empreende um trabalho de curadoria que vai além da simples reunião de textos. Ele busca compor um painel da produção atual, capaz de mostrar que o conto continua sendo terreno fértil para invenções. Para isso, reuniu um conjunto expressivo de autores contemporâneos: Noemi Jaffe, Adelaide Ivánova, Luís Henrique Pellanda, Verônica Stigger, Marcelino Freire, Cristhiano Aguiar, Ana Elisa Ribeiro, Luci Collin, João Anzanello Carrascoza, Rogério Pereira, Mateus Baldi, Carlos Marcelo e Caetano W. Galindo. A diversidade de nomes, origens e experiências literárias garante ao livro a amplitude necessária para refletir o panorama do conto brasileiro atual.

Essa multiplicidade de vozes é, sem dúvida, a marca principal da coletânea. Cada autor responde ao desafio de homenagear Trevisan à sua maneira. Em alguns textos, a presença do escritor curitibano é explícita, seja pela escolha temática, seja pela adoção de diálogos curtos e ácidos. Em outros, a influência aparece de forma mais difusa, como um eco que atravessa a cadência da frase ou a perspectiva do narrador. Há contos que exploram a vida urbana em seus detalhes mais comezinhos, outros que se voltam para dilemas íntimos, familiares, sentimentais. O resultado é uma constelação que, sem perder a unidade proposta pela homenagem, preserva a singularidade de cada voz.

Esse mosaico faz de Os elefantes viriam pela manhã não apenas uma homenagem a Dalton Trevisan, mas também um retrato da vitalidade do conto brasileiro no presente. A antologia mostra que a forma breve continua a oferecer aos escritores a chance de experimentar, ousar e buscar novas linguagens, sem a obrigação de se submeter à lógica comercial que frequentemente privilegia narrativas longas.

Ao mesmo tempo, o livro reitera o papel das antologias na circulação da literatura. Elas funcionam como porta de entrada para novos leitores e como oportunidade de descoberta de autores. Ler a coletânea é atravessar múltiplos mundos em poucas páginas, saltar de uma escrita lírica para um registro mais seco, de um conto marcado pelo humor a outro atravessado pela violência. Esse jogo de contrastes mantém a leitura pulsante e reafirma a pertinência do gênero.

Os elefantes viriam pela manhã é, assim, um gesto de reconhecimento e, ao mesmo tempo, de renovação. Reconhecimento de uma tradição marcada por autores que fizeram da concisão uma arte; renovação porque aponta para o futuro, lembrando que o conto permanece vivo, inquieto, capaz de surpreender. O título da obra sugere a chegada de algo inesperado e grandioso. Talvez seja justamente isso que o livro oferece: a lembrança de que a literatura, mesmo quando se constrói com poucas páginas, pode carregar a força de um elefante que chega silenciosamente, pela manhã, para transformar o nosso olhar.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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