Relançado pela Civilização Brasileira, O ouriço e a raposa reafirma a atualidade de um dos ensaios mais influentes do século 20. Partindo do aforismo de Arquíloco — “a raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito grande” — Isaiah Berlin propõe uma metáfora poderosa para compreender como pensamos e organizamos o mundo. De um lado, os ouriços, que estruturam vida e obra em torno de uma única ideia central; de outro, as raposas, que se movem por múltiplas experiências, saberes e direções.
Publicado originalmente em 1953, o texto examina Tolstói como figura exemplar dessa tensão. Berlin argumenta que o escritor russo possuía a sensibilidade múltipla das raposas, mas desejava a unidade moral dos ouriços — um conflito que marcaria não apenas sua obra, mas sua própria visão de mundo. Ao interpretar Tolstói sob essa chave, Berlin desenha uma análise que ultrapassa a crítica literária e toca questões filosóficas essenciais: como pensamos? De que modo construímos sentido? Que papel ocupa a contradição na criação artística e na vida intelectual?
A distinção entre ouriços e raposas não funciona como julgamento, mas como ferramenta para ler a história das ideias. Berlin a utiliza para discutir pluralismo, monismo e as tensões entre sistemas fechados de pensamento e olhares abertos para a diversidade. Em tempos de discursos simplificadores e certezas rígidas, o ensaio retorna como advertência — e convite. Nele, a multiplicidade é força, não desvio; a dúvida, mais fértil que qualquer doutrina.
A nova edição brasileira recupera um texto breve, mas de alcance profundo, que ressoa na crítica, na literatura e na política. O ouriço e a raposa permanece uma obra indispensável para quem deseja compreender como grandes escritores, filósofos e artistas lidam com a complexidade do mundo — e também para leitores que buscam refletir sobre seus próprios modos de ver, escolher e interpretar. Berlin lembra que não há pensamento neutro: cada um de nós, ouriço ou raposa, navega entre convicções e dispersões na tentativa de dar forma à experiência humana.