🔓 O dia em que encontrei Bob Dylan numa livraria de Estocolmo

A narrativa de Daniella Zupo percorre vilarejos do Brasil e metrĂłpoles como Berlim, Lisboa, Paris, Munique e Estocolmo
O dia em que encontrei Bob Dylan numa livraria de Estocolmo
Daniella Zupo
Miguilim
176 págs.
01/09/2025

A narrativa de Daniella Zupo percorre vilarejos do Brasil e metrópoles como Berlim, Lisboa, Paris, Munique e Estocolmo, chegando às Terras Altas da Escócia e à cidade mais ao norte da Suécia, para onde viaja em busca da aurora boreal e encontra a primeira cidade do mundo a ser transplantada. O livro configura-se como um road book que combina o prazer da descoberta de novas paisagens com a introspecção de quem também viaja pelo interior de si. Nesse movimento duplo — exterior e interior —, a autora encontra o tom da obra, equilibrando relato de viagem e confissão íntima.

Daniella guia o leitor por uma jornada que ultrapassa os espaços geográficos, adentrando o campo dos sentimentos e das memórias. Os textos evocam deslocamentos de 25 anos, marcados pela busca do novo e pela capacidade de transformar experiências em narrativas de intensidade poética. “Daniella Zupo, com singularidade e apuro literário, nos desloca, como a cidade de Kiruna, na Suécia, do lugar de leitores contemplativos ao de leitores que desfrutam, nas viagens contadas por ela, de epifanias geradas até pelo acaso”, escreve João Anzanello Carrascoza no prefácio.

Após a estreia literária com AHO! Amanhã hoje é ontem, em que transformou em prosa sua experiência com o câncer de mama, Daniella retorna ao universo autobiográfico em chave mais ampla e reflexiva. Em seu segundo livro, convida o leitor para uma travessia em que a estrada se torna metáfora da vida. “São relatos não apenas de lugares, deslocamentos físicos, mas também internos. É sobre as descobertas, epifanias, estranhamentos e encontros que só são possíveis quando deixamos nossas zonas de conforto”, afirma a autora.

A tradição do travel writing, que remonta a Bruce Chatwin e Paul Theroux, encontra em Daniella um viés contemporâneo e feminino. Ela observa não apenas monumentos e paisagens, mas também pequenos detalhes: a luz que se projeta sobre uma rua em Lisboa, o silêncio das praças de Berlim, a melancolia de uma tarde chuvosa em Estocolmo. Em cada lugar visitado, busca não o típico ou turístico, mas o que ressoa em sua experiência interior, num diálogo constante entre o eu e o mundo.

Sua escrita também atravessa o jornalismo musical. Leonard Cohen, Patti Smith e Nick Cave surgem como personagens dessa estética da introspecção e da intensidade lírica. Mas o grande encontro é o que o título anuncia: O dia em que encontrei Bob Dylan numa livraria de Estocolmo. Dylan atravessa o livro como metáfora e presença concreta, encarnando o espírito da errância, do acaso e da poesia em movimento. Ao seguir suas pegadas, Daniella fala de si mesma e de sua geração, marcada por deslocamentos, perdas e reconstruções.

As viagens relatadas não são apenas descrições de lugares, mas exercícios de memória e transformação pessoal. A cidade transplantada da Suécia ecoa a ideia de identidades em movimento; a busca pela aurora boreal simboliza a procura pelo invisível; e a aparição de Dylan funciona como epifania, um instante em que arte e vida se tocam.

Além de jornalista e escritora, Daniella assinou a primeira websérie brasileira sobre o câncer de mama, o documentário Amanhã hoje é ontem, e é cocriadora do podcast As Perennials, um dos primeiros no Brasil a tratar do envelhecimento feminino. Sua trajetória sempre esteve vinculada a experiências de fronteira — entre o íntimo e o público, a doença e a cura, a música e a literatura, o Brasil e o mundo. Em O dia em que encontrei Bob Dylan numa livraria de Estocolmo, reafirma essa condição de viajante e cronista de si mesma. Sua escrita, feita de observação sensível e apuro literário, oferece ao leitor a possibilidade de viajar não apenas pelos lugares que descreve, mas sobretudo pelos abismos e descobertas que cada um carrega dentro de si.

Rascunho

O Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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