A narrativa de Daniella Zupo percorre vilarejos do Brasil e metrĂłpoles como Berlim, Lisboa, Paris, Munique e Estocolmo, chegando Ă s Terras Altas da EscĂłcia e Ă cidade mais ao norte da SuĂ©cia, para onde viaja em busca da aurora boreal e encontra a primeira cidade do mundo a ser transplantada. O livro configura-se como um road book que combina o prazer da descoberta de novas paisagens com a introspecção de quem tambĂ©m viaja pelo interior de si. Nesse movimento duplo — exterior e interior —, a autora encontra o tom da obra, equilibrando relato de viagem e confissĂŁo Ăntima.
Daniella guia o leitor por uma jornada que ultrapassa os espaços geográficos, adentrando o campo dos sentimentos e das memórias. Os textos evocam deslocamentos de 25 anos, marcados pela busca do novo e pela capacidade de transformar experiências em narrativas de intensidade poética. “Daniella Zupo, com singularidade e apuro literário, nos desloca, como a cidade de Kiruna, na Suécia, do lugar de leitores contemplativos ao de leitores que desfrutam, nas viagens contadas por ela, de epifanias geradas até pelo acaso”, escreve João Anzanello Carrascoza no prefácio.
ApĂłs a estreia literária com AHO! AmanhĂŁ hoje Ă© ontem, em que transformou em prosa sua experiĂŞncia com o câncer de mama, Daniella retorna ao universo autobiográfico em chave mais ampla e reflexiva. Em seu segundo livro, convida o leitor para uma travessia em que a estrada se torna metáfora da vida. “SĂŁo relatos nĂŁo apenas de lugares, deslocamentos fĂsicos, mas tambĂ©m internos. É sobre as descobertas, epifanias, estranhamentos e encontros que sĂł sĂŁo possĂveis quando deixamos nossas zonas de conforto”, afirma a autora.
A tradição do travel writing, que remonta a Bruce Chatwin e Paul Theroux, encontra em Daniella um viĂ©s contemporâneo e feminino. Ela observa nĂŁo apenas monumentos e paisagens, mas tambĂ©m pequenos detalhes: a luz que se projeta sobre uma rua em Lisboa, o silĂŞncio das praças de Berlim, a melancolia de uma tarde chuvosa em Estocolmo. Em cada lugar visitado, busca nĂŁo o tĂpico ou turĂstico, mas o que ressoa em sua experiĂŞncia interior, num diálogo constante entre o eu e o mundo.
Sua escrita tambĂ©m atravessa o jornalismo musical. Leonard Cohen, Patti Smith e Nick Cave surgem como personagens dessa estĂ©tica da introspecção e da intensidade lĂrica. Mas o grande encontro Ă© o que o tĂtulo anuncia: O dia em que encontrei Bob Dylan numa livraria de Estocolmo. Dylan atravessa o livro como metáfora e presença concreta, encarnando o espĂrito da errância, do acaso e da poesia em movimento. Ao seguir suas pegadas, Daniella fala de si mesma e de sua geração, marcada por deslocamentos, perdas e reconstruções.
As viagens relatadas nĂŁo sĂŁo apenas descrições de lugares, mas exercĂcios de memĂłria e transformação pessoal. A cidade transplantada da SuĂ©cia ecoa a ideia de identidades em movimento; a busca pela aurora boreal simboliza a procura pelo invisĂvel; e a aparição de Dylan funciona como epifania, um instante em que arte e vida se tocam.
AlĂ©m de jornalista e escritora, Daniella assinou a primeira websĂ©rie brasileira sobre o câncer de mama, o documentário AmanhĂŁ hoje Ă© ontem, e Ă© cocriadora do podcast As Perennials, um dos primeiros no Brasil a tratar do envelhecimento feminino. Sua trajetĂłria sempre esteve vinculada a experiĂŞncias de fronteira — entre o Ăntimo e o pĂşblico, a doença e a cura, a mĂşsica e a literatura, o Brasil e o mundo. Em O dia em que encontrei Bob Dylan numa livraria de Estocolmo, reafirma essa condição de viajante e cronista de si mesma. Sua escrita, feita de observação sensĂvel e apuro literário, oferece ao leitor a possibilidade de viajar nĂŁo apenas pelos lugares que descreve, mas sobretudo pelos abismos e descobertas que cada um carrega dentro de si.