Relançado agora no Brasil, Mumbo Jumbo reafirma seu lugar como uma das obras mais inventivas da literatura afro-americana e um marco da ficção dos anos 1970. Publicado originalmente em 1972, o romance de Ishmael Reed mistura sátira, investigação, misticismo, cultura negra e teoria crítica numa narrativa que desafia convenções e desmonta a lógica eurocêntrica da história ocidental. O ponto de partida é uma epidemia cultural chamada Jes Grew — uma força dançante, vibrante e incontrolável que se espalha pelos Estados Unidos dos anos 1920, ameaçando a ordem branca e puritana.
Nesse cenário, surge PaPa LaBas, sacerdote vodu e detetive espiritual, encarregado de investigar as origens de Jes Grew. Ele enfrenta a Ordem Wallflower, sociedade secreta dedicada a suprimir manifestações negras e apagar seus registros históricos. A trama alterna documentos fictícios, colagens, notícias, digressões antropológicas e ritmo de oralidade, numa estética que mistura jazz, ritual e paródia. Reed opera como montador e griot, recombinando mitos e acontecimentos reais — da Renascença do Harlem às disputas políticas da época — para revelar que a história oficial é apenas uma das versões possíveis.
O título, Mumbo jumbo, expressão usada de forma pejorativa para desqualificar culturas africanas, é ressignificado como símbolo de resistência. Ao assumir o “caos” como método, Reed denuncia como o pensamento ocidental reprime aquilo que não compreende — e mostra que a vitalidade das culturas negras persiste apesar das tentativas de silenciamento. Jes Grew representa esse impulso de criação, movimento e liberdade, capaz de atravessar séculos de opressão.
A prosa de Reed, rápida e cheia de cortes, provoca o leitor e exige participação ativa. A narrativa salta entre registros, desmonta expectativas e afirma a potência política da imaginação. Mumbo jumbo desafia o cânone, contesta hierarquias e reivindica múltiplas formas de contar a história. Em sua mistura de humor, crítica e feitiçaria, o livro revela que, sob a superfície do mundo ocidental, pulsa outra tradição — subterrânea, vibrante e indestrutível.