Segundo Fernando Pessoa, ou melhor, segundo Bernardo Soares, seu narrador principal, ajudante de guarda-livros em Lisboa, “há só duas grandes formas de arte — uma que se dirige à nossa alma profunda, a outra que se dirige à nossa alma atenta. A primeira é a poesia, o romance a segunda”. Acontece que o Livro do desassossego não cabe em nenhum dos dois casos. Há quem diga que foi ali que o autor esteve mais à beira de romancear. Tenho dúvidas, pois de tão abissal me parece também ter, antes de tudo, a alma dessa primeira forma, a poesia. Desassossego é um livro composto por fragmentos, mas fragmentos que no fim ofertam uma unidade retumbante. Teria sido batizado com esse nome, agora sim de acordo com o próprio Pessoa, por sua inquietação e incerteza que é ali a nota predominante. Trata-se de um Fernando Pessoa profundo, grandioso, propondo depois de dominado o mar físico ter chegado a hora de se dominar esse oceano de emoções que nos forma. É desses livros que teimam em nos perseguir depois, não querendo sair mais de nós. Eu recomendo.