“Dizem uns que a vida é um perde e ganha. Eu digo que a vida é uma perdedeira só, tamanho é o perder.” Esse lamento de Totó dirigido à Maria-Velha dá o tom que embala as lembranças desfiadas, uma a uma, em Becos da memória, de Conceição Evaristo. Depois de ter aguardado quase vinte anos pela primeira publicação, que veio em 2006 e logo se esgotou, o romance recebeu nova edição em 2013. Nas palavras da autora, “é uma criação que pode ser lida como ficções da memória ao narrar a ambiência de uma favela que não existe mais”. Mas a narrativa memorialística não é nova na literatura; o que é novo neste caso é o fato de dar voz aos que nunca “existiram” e costumavam ser apagados da história, assim como aconteceu com essa favela. Aqui, múltiplas vozes ganham vida e são dolorosamente entrelaçadas às rodas dos tratores que avançam durante o processo de despejo a que são sujeitos os moradores. Ao passo que vêem os barracos sendo destruídos, pela narrativa recuperam-se as memórias seqüestradas e fragmentadas pela escravidão, e as personagens encontram nelas toda uma herança de resistência e, afinal, o “desejo de vida”.