🔓 Vidraça_março_2011

07/10/2011

MOACYR SCLIAR (1937-2011)

Moacyr Scliar no Paiol Literário. Fotos: Matheus Dias

Todo autor quer ser elogiado, quer aplauso, quer que os outros digam que ele é inteligente, criativo e genial. É o sonho de todo escritor. E a verdade é que quem escreve são pessoas desamparadas, que têm, diante da vida, uma insegurança que deriva de uma situação existencial.

Para escrever, a gente tem que se sentir um pouco triste. Há um grau ideal de desconforto que nos ajuda. Sinto isso também como médico.

No fundo, todo escritor é aquele menininho que anda de bicicleta e fala: “Mamãe, sem as mãos, ó!”. E mostra como é hábil. Sei disso porque eu mostrava meus primeiros textos literários para os meus pais. Eles ficavam muito admirados, mostravam aquilo para vizinhos e parentes e diziam: “Esse vai ser o nosso escritorzinho”.

Todos nós temos, lá no fundo da nossa mente, um conjunto de críticos literários que já analisou nossa obra e já nos disse o que tínhamos que saber.

Literatura é vital. Não para todas as pessoas, mas para um grupo que, através do texto literário, chega à verdade da existência.

O que a gente espera de um escritor é que ele diga uma frase ou um conjunto de frases que resumam uma verdade. É claro que, na maior parte das vezes, isso não vai acontecer, porque os escritores podem ser pessoas muito tolas. Eventualmente um escritor vai dizer algo importante.

Qual é a melhor forma de se chegar à literatura? É através daquilo que o escritor fala ou através daquilo que ele escreve? É através daquilo que ele escreve. Porque a literatura acontece no texto. Ela pode ter começado como uma manifestação oral, mas se realiza no texto.

O espírito humano descansa na verdade, ainda que a ficção seja uma mentira, uma mentira profissional. Mas os ficcionistas têm que ser autênticos naquilo que escrevem.

"Literatura é vital. Não para todas as pessoas, mas para um grupo que, através do texto literário, chega à verdade da existência."

As pessoas não correm atrás das vacinas. As vacinas correm atrás delas. E o livro é uma vacina contra a insensibilidade, o desconhecimento e a ignorância.

Um desafio que a gente vai enfrentar no dia do Juízo Final: resumir ligeirinho nossa vida e nossa obra para ver se a gente vai entrar no céu.

A literatura não é física, química ou matemática. É outro tipo de ensinamento, veiculado pelos canais emocionais. É exatamente isso que faz do ensino da literatura uma coisa importante na escola. Ele é o canal de comunicação do emocional do jovem com o professor, com o livro e com o mundo de uma maneira geral.

A literatura é mais crítica, satírica e corrosiva do que consoladora. A maior parte dos escritores brasileiros não é de dar tapinhas nas costas do leitor.

O escritor é um sismógrafo. Ele registra as vibrações que estão na sociedade.

A literatura pode mudar os destinos do mundo? Não pode. No decorrer dessa longa trajetória que é minha carreira literária, me dei conta de muitas coisas. Uma delas é esta: a literatura não muda o mundo. Mas a minha geração tinha a idéia de que a literatura ia mudá-lo. A gente escrevia para mudar o mundo. Nosso projeto não era menor que isso. Queríamos mudar o mundo, o país em que a gente vivia. Era uma ilusão. Uma ilusão generosa, mas uma ilusão. Acho que, se a literatura muda as pessoas, já está fazendo muito. E a literatura muda as pessoas.

Eu não era hipocondríaco, não tinha medo de ficar doente. Disso eu até gostava, porque, ao ficar doente, não precisava ir ao colégio; ficava em casa, com meu pai e minha mãe me paparicando. Era até gratificante. Mas, quando eles ficavam doentes, eu entrava em pânico. Sentia aquilo como uma ameaça sombria, inquietante, que me levou muito cedo a ler sobre medicina, a conversar com médicos.

Por que a melancolia, de repente, se tornou uma preocupação não só de médicos, mas, sobretudo, de artistas e intelectuais? Por causa do advento da modernidade. E a modernidade começou bipolar. Ela é maníaca. Por quê? Porque é uma busca incessante, uma corrida pelo conhecimento, pela arte, pela riqueza, por novas terras, por sexo, pela especulação financeira.

A melancolia é um desgosto diante das bobagens do mundo.

"Eu só leio livros que me dão prazer. E só procuro escrever aquilo que me dá prazer."

Tchekhov foi uma influência muito grande para mim. Não só porque era médico e escritor, mas porque era doente também.

Na minha época de escola, havia outros conceitos. Por exemplo: autor bom era autor morto. Quanto mais morto um autor, quanto mais sepultado ele estivesse, melhor seria para a literatura. Um autor vivo não poderia ser bom, ainda não tinha passado pela prova do tempo. Então, tínhamos que ler os autores do passado.

Precisamos fazer com que a aproximação, sobretudo dos jovens em relação ao livro, seja uma relação mediada por duas coisas: o prazer e a emoção. Eu só leio livros que me dão prazer. E só procuro escrever aquilo que me dá prazer.

Há um rótulo que recuso absolutamente. Cada vez que entro em um avião, em Porto Alegre, alguém diz: “Este avião não cai. Tem um imortal a bordo!”. Desde que virei imortal, já vi vários deles passarem desta para melhor — ou para pior.

Eu queria ser imortal agora, vivo. Mas isso não está ao nosso alcance. Na realidade, a imortalidade é um engodo que a gente nem sabe como surgiu. O lema da Academia Brasileira de Letras é ad immortalitatem. Não é uma garantia, é uma promessa qualquer. Mas isso, infelizmente, pegou. Reflete o desejo que temos de permanência. Acho esse desejo tolo. O futuro, como nós sabemos, a Deus pertence. A Deus ou ao seu equivalente.

O que interessa é transmitir nossas idéias, nossos sentimentos, nossas emoções às pessoas ao nosso redor. Às pessoas com quem convivemos. Não temos a menor importância. Peguem a coleção dos prêmios Nobel de Literatura. Há nomes, ali, que são famosos e reconhecidos até hoje. Há outros que nem sabemos quem são. Pessoas que eram famosas, que escreviam para o futuro. O futuro chegou e a gente não sabe quem são elas.

*Declarações de Moacyr Scliar publicadas no Rascunho em 2006, 2007 e 2009.

Rascunho