A sul-coreana Kim Hye-jin ainda é pouco conhecida entre os leitores brasileiros. Nascida em 1983, ela estreou na literatura em 2012 com o romance Chicken Run, vencedor do prêmio Dong-A Ilbo’s Spring Literary. Agora a Fósforo lança Sobre minha filha, cuja protagonista é uma cuidadora de idosos.
Ela Ă© considerada uma mulher exemplar aos olhos da sociedade. ViĂşva de um casamento dentro dos padrões, criou a filha para seguir as tradições — casar, formar uma famĂlia e desfrutar de uma casa prĂłpria e um bom salário — e nĂŁo perturbar seus planos de aposentadoria sem sobressaltos. Mas tudo sai do eixo quando Green se assume lĂ©sbica e, sem emprego fixo ou renda para pagar o aluguel, volta para a casa da mĂŁe com a namorada.
Envolta em culpa e arrependimentos, a mãe encara a situação de modo pouco generoso, inclusive consigo mesma. E a sua rotina também não é capaz de oferecer outro repertório que não o do julgamento e da rigidez, já que passa os dias em um ambiente de trabalho insalubre, entre farelos de bolinho na boca, pernas esqueléticas dos doentes, diarreia, brotoejas, fraldas, cheiro de urina, unhas mal cortadas etc.
Mesmo habituada ao sacrifĂcio, essas imagens contrastam com a “comida aconchegante” que a namorada de Green prepara, o ambiente acadĂŞmico que frequentam e a casa simples em que moram.
Mas atĂ© onde a filha realmente se distanciou do projeto de vida que a mĂŁe sonhou pra ela? Enquanto Green luta contra a homofobia na universidade em que atua como professora horista, a mĂŁe entra num embate contra os mĂ©todos desumanos de administração da clĂnica em que trabalha. Se o choque de gerações afasta, a partilha de certos valores une as duas.
Conhecida por retratar de forma compassiva o sofrimento silencioso dos oprimidos, Kim Hye-jin traça um panorama da classe mĂ©dia sul coreana e evidencia a falta de mobilidade social de uma sociedade que vĂŞ seus Ăndices de pobreza aumentando a cada dia. Nela, viver com dignidade Ă© em si sĂł tarefa árdua, que exige que mĂŁe e filha superem as diferenças e o ressentimento para acolher uma Ă outra.