🔓 Rodrigo Lacerda fala sobre os novos rumos da Record

Ao assumir como editor-executivo, ele garante que pretende “arejar ainda mais o debate nas publicações futuras”
Rodrigo Lacerda, novo editor-executivo da Record
21/01/2021

Há uma semana Rodrigo Lacerda foi anunciado como novo editor-executivo do Grupo Editorial Record. Ele substitui Carlos Andreazza, que ficou no cargo por quase dez anos. Jornalista, Andreazza marcou sua passagem pela editora, principalmente, pelos livros de não ficção que editou, alguns deles de representantes do pensamento da “nova direita” que floresceu nos últimos anos no país — o que, para muita gente, deixou a editora com uma “cara” conservadora.

De perfil totalmente diferente, Rodrigo Lacerda tem uma carreira consolidada como escritor de ficção e tradutor — verteu, entre outros livros, obras de Alexandre Dumas, Charles Dickens, William Faulkner e Arthur Conan Doyle. Venceu cinco vezes o prêmio Jabuti e é autor de livros elogiados, como o romance O fazedor de velhos e a coletânea de contos Reserva natural.

No entanto, ele acredita que isso não foi determinante para sua contratação, mas sim seu trabalho de longa data como editor. Filho e neto de editores, Lacerda começou a carreira na empresa da família, a Nova Fronteira. Mas depois passou por Nova Aguilar, Edusp, Cosac Naify e Zahar, onde foi responsável pela direção da coleção Clássicos Zahar, que publicou mais de 30 títulos desde 2009 e vendeu mais de 1 milhão de exemplares.

Dado esse perfil, é tentador pensar que a literatura brasileira contemporânea terá muito mais espaço no catálogo da Record a partir de agora. “Acho que [a literatura brasileira] anda muito bem. Muitas vozes, muita diversidade, ótimos livros”, diz Lacerda, que no último ano viveu nos Estados Unidos. “Mas acho que um escritor talvez possa ter uma contribuição a dar. Embora a Record já tenha uma ótima linha de literatura brasileira contemporânea.”

• Como aconteceu o convite para o cargo? Você estava morando nos Estados Unidos e voltou por conta da Record?
Não, eu tinha voltado para o Brasil antes, em novembro, em parte porque a pós-graduação da minha esposa tinha virado online e continuaria assim, em parte porque, quando fomos para os EUA, o dólar estava R$ 3,80; quando voltamos, R$ 5,60! O contato da Record chegou pouco antes do Natal, conversamos logo depois do Ano-novo, e deu liga. Em uma conversa estava tudo certo. Só precisei me desligar do vínculo que ainda tinha com a coleção de clássicos da Zahar. Um projeto lindo, feito entre amigos, que já dura uns dez anos e do qual vou ter muita saudade, mas achei que era hora de tentar algo novo.

• Pela primeira vez em muito tempo, a Record passa a ter como editor-executivo um escritor consolidado. Acha que isso foi determinante para o convite? É um indício dos novos rumos da editora?
Não sei se foi determinante. Acho que mais determinante foi o fato de eu sempre ter atuado paralelamente como editor, na Nova Fronteira, Nova Aguilar, Edusp, Cosac Naify e Zahar. Mas acho que um escritor talvez possa ter uma contribuição a dar, muito embora a Record já tenha uma ótima linha de literatura brasileira contemporânea.

• No período em que Luciana Villas Boas era a editora-executiva, a Record apostou na literatura brasileira contemporânea. Depois, com Carlos Andreazza, mudou o foco, com menos ficção e mais livros sobre política e assuntos do momento. Que Record teremos agora sob seu comando?
Embora o foco tenha de fato pendido para a não ficção, não sei se foi só para a política. O Carlos Andreazza fez ótimos livros baseados em reportagens, sobre os mais diversos assuntos, e biografias. Não é fácil mudar a cara de uma editora como a Record, que já tem tantas linhas e um catálogo tão variado. Nem sei se seria o caso. Penso, antes, em aproveitar a liberdade que ter tantas frentes de trabalho já abertas dá a qualquer editor.

• Nos últimos anos, a Record ganhou fama de “reaça” por conta de algumas escolhas editoriais. Será seu trabalho “tirar” essa pecha da editora?
Na verdade, se formos olhar o catálogo da Record, vemos que há pluralidade nele. Que editora realmente “reaça” publicaria a obra do Paulo Freire, ou os livros políticos da Márcia Tiburi? Mas, dito isso, sim, pretendo arejar ainda mais o debate nas publicações futuras. Isso deve aparecer mais a partir do ano que vem, pois a programação deste ano, como é normal, já está bastante avançada. O importante é não apenas a editora zelar por uma enriquecedora pluralidade do debate político, mas ela selecionar autores que também o façam, e que valorizem o contraditório em suas respectivas áreas de atuação.

• No comunicado sobre sua contratação, a presidente da editora, Sonia Jardim, disse que você “certamente conseguirá imprimir sua marca, sem perder de vista os valores da Editora”. Como se dará isso?
Trabalhando direito e publicando bons livros que, de um jeito ou de outro, reflitam não apenas o gosto dos leitores, mas também o meu. Afinal, uma coisa que diferencia o trabalho editorial é que ele também tem um lado autoral. Então a marca de um editor acaba aparecendo no catálogo que ele publica, isso é quase inevitável. Desde, claro, que ele tenha um universo de interesses constituído e sincero. Mas isso eu acho que tenho.

• Você sempre esteve envolvido profissionalmente com literatura de ficção. Mas o Grupo Record tem uma gama de selos que lidam com outros gêneros. Seu trabalho prevê o envolvimento com livros de não ficção, autoajuda, etc.?
Vou cuidar, primordialmente, da linha de ficção brasileira e da linha de não ficção do selo Record, não do grupo como um todo. Na Edusp e na Zahar, por exemplo, já trabalhei bastante com livros de não ficção. Como não ficção entendo: história, reportagens, biografias, filosofia, ciência política, sociologia, educação, relatos de viagens, entrevistas, enfim, é um mundo.

• Que análise você faz do mercado editorial atual, com o impacto da pandemia?
Depois de anos e anos de crise, e de um primeiro momento de paralisação após a pandemia começar, até que o mercado reagiu muito bem. O e-book compensou as vendas na livraria e, em alguns casos, as editoras até faturaram mais. Mas claro que as livrarias são fundamentais e precisam voltar, precisam ser apoiadas e valorizadas. Nenhum mercado editorial pode viver sem elas.

• E a literatura brasileira contemporânea, da qual faz parte, como anda?
Acho que anda muito bem. Muitas vozes, muita diversidade, Ăłtimos livros. Se tem algo que me incomoda um pouco, Ă© que Ă s vezes sinto a literatura — ou a leitura que se faz dela — muito subjugada pela sociologia. Tenho um pouco de saudade de quando a literatura era mais ligada Ă  psicanálise. Sou um freudiano incorrigĂ­vel…

• Você lançou um livro ano passado, O fazedor de velhos 5.0. Restará tempo para o escritor agora?
Acho que por um tempo, não. Mas tudo bem. Tenho 70 páginas de um novo romance iniciado, acabei uma tradução do Rei Lear, tenho trabalhado bastante. Vou ter férias de um lado e dar duro no outro, o de editor. Ou trabalharei nas horas vagas, como fiz durante toda a primeira parte da minha vida profissional. A gente acostuma a acordar bem cedo, a trabalhar nos fins de semana e nas férias e nos feriados. Acho que é a vida do escritor brasileiro, ou pelo menos da maioria deles.

Luiz Rebinski

É jornalista e escritor. Autor do romance Um pouco mais ao sul.

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