Um dos mais marcantes relatos sobre o Holocausto, o livro Auschwitz e depois, da francesa Charlotte Delbo (1913-1985), ganha pela primeira vez tradução no Brasil, publicada pela Carambaia. O livro, em pré-venda, será lançado em dezembro.
A obra se distingue de outros relatos cĂ©lebres sobre os campos de concentração, como os de Primo Levi e Elie Wiesel, por pelo menos dois motivos: ter sido escrito por uma mulher e a razĂŁo pela qual a autora foi presa, a atividade polĂtica — era militante comunista e membro da ResistĂŞncia durante a ocupação da França pela Alemanha nazista.
Auschwitz e depois reĂşne trĂŞs livros escritos em tempos diferentes e em ordem diversa, mas que compõem uma unidade: Nenhum de nĂłs voltará (concluĂdo em 1947 mas publicado em 1965), Um conhecimento inĂştil (fragmentos de 1946 que vieram Ă luz em 1970) e Medida dos nossos dias (escrito em 1970 e publicado em 1971).
O primeiro relata a passagem por Auschwitz. O segundo une Auschwitz e o campo de Ravensbrück e o terceiro narra o que aconteceu, um quarto de século depois, a onze mulheres (e um homem) que Charlotte Delbo conheceu no cativeiro.
Delbo foi presa em março de 1942, aos 29 anos, com uma centena de membros da Resistência francesa, entre eles seu marido, Georges Dudach, que seria fuzilado após semanas de tortura em maio do mesmo ano.
No mĂŞs anterior, em março de 1942, Delbo havia sido recolhida Ă prisĂŁo de SantĂ©, em Paris. No mĂŞs seguinte, integrou o grupo de 230 mulheres oriundas de toda a França enviado a Auschwitz. Entre julho de 1943 e janeiro de 1944, esteve no campo agrĂcola de RaĂŻsko e em janeiro de 1944, com mais sete mulheres, foi enviada a RavensbrĂĽck.
“Era um lugar de antes da geografia. Onde estávamos? FicarĂamos sabendo – mais tarde, pelo menos dois meses depois; nĂłs, as que dois meses depois ainda estavam vivas – que o lugar se chamava Auschwitz. NĂŁo lhe poderĂamos dar nome”, escreve Delbo.
ApĂłs a libertação da França, Delbo integrou, em abril de 1945, o comboio para a SuĂ©cia organizado pela Cruz Vermelha do paĂs. E depois, atĂ© a morte, viveu, como a maioria de suas companheiras, a impossibilidade de sair daqueles lugares.
Charlotte Delbo nasceu Vigneux-sur-Seine, perto de Paris, de pais italianos. Aderiu às Juventudes Comunistas aos 19 anos e dois anos depois conheceu na militância seu futuro marido, Georges Dudach.
Formada em estenodatilografia, tornou-se em 1937, aos 24 anos, secretária do célebre diretor de teatro Louis Jouvet, que a convidou para o cargo depois de ler um artigo que ela havia escrito sobre a arte teatral. Em 1941, contrariando pedidos de Jouvet, Delbo se uniu ao marido na Resistência, e passou a viver na clandestinidade. No ano seguinte, o casal foi preso.
Depois dos 27 meses passados em campos de concentração e do fim da Segunda Guerra Mundial, Delbo começou a trabalhar na Organização das Nações Unidas em Genebra. Morou durante doze anos na SuĂça e, quando voltou a Paris, tornou-se assistente do filĂłsofo Henri Lefebvre, autor de O direito Ă cidade, que havia conhecido em 1932. Morreu em 1985, em Paris, de câncer nos pulmões.
Além da trilogia Auschwitz e depois, Delbo escreveu outros três livros, entre eles O comboio de 24 de janeiro (1965), uma biografia em ordem alfabética das 230 mulheres que partiram com ela para Auschwitz.