Levada aos palcos pela primeira vez em Londres, em 1606, a peça Rei Lear tem nova edição no Brasil. A edição bilĂngue conta com a tradução do escritor e editor Rodrigo Lacerda. Na nota de abertura e no posfácio, ele explicita o quadro geral da obra, os dilemas de suas personagens e os pontos-chave da peça, bem como os critĂ©rios de tradução, que resultaram num texto apto a ser lido com fluĂŞncia, seja por atores em cena, seja pelo leitor solitário no palco de sua imaginação.
Rei Lear Ă© nĂŁo sĂł uma das maiores criações de William Shakespeare (1564-1616), como tambĂ©m assinala um dos pontos mais altos da dramaturgia mundial. A tragĂ©dia do rei majestoso e octogenário, que tem inĂcio quando este decide abdicar do trono e partilhar seu reino entre as trĂŞs filhas, equiparando a herança de cada uma ao afeto que lhe demonstram, lança o protagonista numa espiral vertiginosa em que este passa do ápice do poder Ă crua indigĂŞncia, encontrando sua perfeita realização dramática na cĂ©lebre cena da “Tempestade”, no ato III.
Ao longo da peça, Lear e as demais personagens — com destaque para a figura genial do Bobo que, com suas tiradas certeiras e imprevistas, antecipa aspectos do que modernamente se chamaria “teatro do absurdo” — põem a nu uma ampla gama de emoções, normalmente ocultas, bem como variadas formas de luta pelo poder.
Combinando enredos familiares e questões de Estado, cĂłdigos de conduta ancestrais e a emergĂŞncia de valores mercantis, Rei Lear se situa precisamente na encruzilhada entre modos de vida e de atividade polĂtica que estĂŁo na raiz do mundo moderno.