Poemas de Charles Simic

Leia os poemas traduzidos "Bamboo Garden", "Na ponte do Brooklyn", "Assim", "Pássaros no inverno" e "Sobre mim"
Ilustração: Rafa Camargo
27/11/2015

Tradução e seleção: Priscilla Campos

Na poesia de Charles Simic (1938), encontra-se a bela e extenuante perspectiva de alguém que ocupa dois mundos. O poeta sérvio, nascido em Belgrado, viveu uma infância na qual o marco zero de qualquer ação era o alerta perpétuo. No decurso da Segunda Guerra, sua cidade natal foi bombardeada pelos alemães e Aliados; seu pai, preso pelos nazistas. Em 1954, o poeta chega aos Estados Unidos e instala-se, com sua família, em Chicago.

Ganhador do Pulitzer, do prêmio Wallace Stevens, MacArthur Fellowship, entre outros, Simic faz parte da geração — na qual estão fixados nomes como Mark Strand, Kenneth Koch, Charles Wright — que trouxe novos ares inventivos para a linguagem poética norte-americana. Simic é um perfeito exemplo da figura do duplo; dobra-se entre dois países, duas línguas, alguns combates e inúmeras tempestades cessadas somente na escrita.

A ideia de uma construção narrativa fortuita, ao mesmo tempo despretensiosa e ferina, é trabalhada pelo sérvio-norte-americano de maneira cirúrgica. Sua obra intercala solidão, temáticas do desencontro, oscilações diversas e anomalias do cotidiano. A seleção a seguir faz parte da coletânea The Lunatic, lançada este ano pela Ecco (selo da HarperCollins). Nela, observamos, principalmente, um escritor impassível em seu propósito de fazer da poesia o marco zero dos nossos espantos particulares & coletivos.

The Bamboo Garden
Bad luck, my very own, sit down and listen to me:
You make yourself scarce for months at a time
Making preparations for some new calamity,
Then come to shake me awake some dark night,

Wiping the sweat off your face, asking
For a glass of water, while mumbling something
About how a mixed bag of misery and laughter
Is all that I can expect from a life like mine,
While I listen, none the wiser like a blind man

Holding a fortune cookie in a Chinese restaurant
And waiting for a waiter to come along
And read it to him, but there isn’t one coming,
Cause it’s late and the Bamboo Garden is closed.

Bamboo Garden
Minha querida má sorte, sente-se aqui e escute-me:
Você se faz ausente por meses consecutivos
Organizando medidas para alguma nova calamidade,
E, então, vem acordar-me aos solavancos numa noite escura

Enxugando o suor do seu rosto, perguntando
Por um copo d’água, enquanto balbucia algo
Sobre como um saco sortido de miséria e risada
É tudo o que eu posso esperar de uma vida como a minha,
Enquanto eu escuto, não mais sábio do que um homem cego

Segurando um biscoito da sorte num restaurante chinês
E esperando o garçom aproximar-se
E ler para ele, mas ninguém aparece,
Porque é tarde e o Bamboo Garden está fechado.

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On the Brooklyn Bridge
Perhaps you’re one of the many dots at sunset
I see moving slowly or standing motionless,
Watching either the gulls in the sky or the barge
With a load of trash passing on the river below.

The one, whose family doesn’t want to hear from,
On his way to a night class in acting, passing
An old Chinese going in the opposite direction,
And a bodybuilder and a nurse holding hands.

And what about the one I’m always hoping to run into?
Though I barely remember what she looked like?
She could be one of the few that have lingered on,
Or the one that vanished since I last glanced that way.

Na ponte do Brooklyn
Talvez você seja um dos vários pontos ao pôr do sol
Os quais eu vejo movendo-se devagar, ou de pé, imóvel
Assistindo ou às gaivotas no céu, ou à barca
Com toneladas de lixo atravessando rio abaixo.

Alguém cuja família não quer ouvir falar
No caminho para aula noturna de atuação, de passagem
Um garçom velho indo na direção posta
E um fisiculturista de mãos dadas com a enfermeira.

E o que dizer sobre a única pessoa na qual eu sempre espero esbarrar?
Embora eu mal lembre de sua aparência?
Ela poderia ser um dos poucos que se demoraram
Ou a única que despareceu desde que olhei naquela direção pela última vez.

Ilustração: Rafa Camargo

Thus
The long day has ended in which so much
And so little had happened.
Great hopes were dashed,
Then halfheartedly restored once again.

Mirrors became animated and emptied,
Obeying the whims of chance.
The hands of the church clock moved,
At times gently, at times violently.

Night fell. The brain and its mysteries
Deepened. The red neon sign
FIREWORKS FOR SALE came on a roof
Of a grim old building across the street.

A nearly leafless potted plant
No one ever waters or pays attention to
Cast its shadow on the bedroom wall
With what looked to me like wild joy.

Assim

O longo dia terminou, no qual tanto
E tão pouco aconteceu.
Grandes esperanças foram frustradas,
Depois, com pouco entusiasmo, restauradas mais uma vez.

Espelhos ficaram animados e esvaziados,
Obedecendo aos caprichos de uma chance.
Os ponteiros do relógio da igreja moveram-se
Às vezes de maneira suave, às vezes violentamente.

Noite caiu. O cérebro e seus mistérios
Aprofundaram-se. O letreiro vermelho neon
FOGOS DE ARTÍFICIO À VENDA veio do telhado
De um deprimente prédio antigo do outro lado da rua.

Um vaso de planta quase sem folhas
O qual ninguém jamais molha ou presta atenção
Lançou sua sombra na parede do quarto
Com o que me parecia uma alegria selvagem.

…..

Birds in winter
These wars of ours with their daily horrors
Of which few ever think or care about,
While others go off quietly to fight them,
Returning to their loved ones in coffins.

The early darkness making it difficult
To chase away such thoughts
Or distract oneself with a book,
Find again that passage of Thoreau
Where he speaks of the grand old poem
Called winter coming around each year
Without any connivance of ours, or perhaps
The one where he pleads to heaven

To let us have birds on days like these
With rich, colorful plumage to recall
The ease and splendor of summer days
Among the frozen trees and bushes in the yard.

Pássaros no inverno
Esta guerra nossa, com seus horrores diários
Dos quais poucos sequer pensam ou importam-se
Enquanto outros partem rapidamente para combatê-los,
Retornando para seus entes queridos em caixões.

A escuridão prematura tornando difícil
Afugentar tais pensamentos
Ou distrair-se com um livro,
Encontrar novamente aquela passagem de Thoreau

Na qual ele fala sobre o magnífico poema antigo
Chamado inverno que sempre chega todo ano
Sem qualquer conivência nossa, ou talvez
Aquele no qual ele implora ao paraíso

Para que nós tenhamos pássaros em dias como este
Com ricas, coloridas plumagens para relembrar
O conforto e esplendor dos dias de verão
Entre as árvores congeladas e os arbustos no jardim.

Ilustração: Rafa Camargo

About myself
I’m the uncrowned king of the insomniacs
Who still fights his ghosts with a sword,
A student of ceilings and closed doors,
Making bets two plus two is not always four.

A merry old soul playing the accordion
On the graveyard shift in the morgue.
A fly escaped from a head of a madman,
Taking a rest on the wall next to his head.

Descendant of village priests and blacksmiths:
A grudging stage assistant of two
Renowned and invisible master illusionists,
One called God, the other Devil, assuming, of course,
I’m the person I represent myself to be.

Sobre mim
Eu sou o rei, sem coroa, dos insones
Que ainda luta contra seus fantasmas com uma espada,
Um estudante com tetos e portas fechadas,
Fazendo apostas de que dois mais dois não é sempre quatro.

Uma velha espirituosa alma tocando acordeão
No turno da noite do necrotério.
Uma mosca que escapou da cabeça de um louco
Descansando na parede ao lado da cabeça dele.

Descendente de padres e ferreiros do vilarejo
Um relutante assistente de palco de dois
Renomados e invisíveis mestres ilusionistas,
Um chamado Deus, o outro Diabo, supondo, claro,
Eu seja a pessoa que represento ser.

LEIA ensaio sobre Charles Simic

Priscilla Campos

É jornalista e pesquisadora da obra de Enrique Vila-Matas. Escreve para o site Fuga para oeste.

Rascunho