Para lembrar o centenário de morte do carioca Lima Barreto, a Batuta, rádio de internet do Instituto Moreira Salles, disponibiliza o podcast Lima Barreto: O negro é a cor mais cortante. Composto por cinco episódios, o programa mostra que o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma era um expoente da literatura brasileira quando morreu, e não um artista pouco reconhecido, como continua a se dizer.
A série já está disponível, para acesso gratuito, nas principais plataformas digitais, como Spotify, Apple podcasts e Deezer, e no site da Batuta. A concepção, o texto e a apresentação do podcast são de dois profundos conhecedores da trajetória do escritor: Beatriz Resende, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudiosa de Lima há mais de 40 anos; e Gabriel Chagas, formado na UFRJ e que atualmente leciona Literatura e Cultura Luso-Afro-Brasileira na Universidade de Miami.
Cada capítulo tem um aspecto em destaque e, pelo menos, uma pessoa convidada. No primeiro, A morte e a vida de Lima Barreto, narram-se os momentos finais do escritor e as referências feitas a ele na imprensa da época. O episódio também ressalta como, nos últimos anos, sua obra vem sendo retomada e celebrada em toda a sua grandeza, com a homenagem pela Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) em 2017, a peça Traga-me a cabeça de Lima Barreto, escrita e dirigida por Hilton Cobra, que participa do episódio, e o lançamento de várias publicações sobre ele.
“A obra de Lima Barreto sempre ocupou um lugar peculiar e decisivo na literatura brasileira. Foi o primeiro romancista a trazer a periferia do Rio de Janeiro para a literatura. Apesar de estudos fundamentais dedicados à sua obra, só no século XXI foi definitivamente reconhecido. Mais do que isso, despertou um interesse inédito de jovens leitores negros”, diz Beatriz Resende.
O segundo episódio tem como tema o racismo. Desde a juventude, Lima Barreto foi alvo de forte preconceito, o que registrou em várias de suas crônicas e em romances como Recordações do escrivão Isaías Caminha e Clara dos Anjos. Ele nasceu sete anos antes da abolição da escravatura e foi levado por seu pai para ver a assinatura da Lei Áurea, algo que o marcou muito. O convidado do capítulo é o antropólogo Júlio Tavares, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e nome importante na luta antirracista. A frase “O negro é a cor mais cortante”, que dá nome ao podcast, está no romance inacabado do autor Cemitério dos vivos.
“Lima Barreto teve, ainda na década de 1910, uma percepção impressionante sobre o racismo na sociedade brasileira. Percebeu, com uma lucidez que muitos ainda não têm hoje, que o racismo entre nós está na espinha dorsal do país e que, portanto, assinar a Lei Áurea não seria o bastante. Se hoje discutimos racismo estrutural, encarceramento em massa e segregação, Lima pavimentou há um século esse caminho para nós”, afirma Gabriel Chagas.
O Brasil é uma vasta comilança, episódio 3, trata da política. Lima Barreto foi um crítico permanente da república, com seu autoritarismo, seu elitismo e seus conchavos. “A república no Brasil é o regime da corrupção”, escreveu. Quem participa do episódio é a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, professora da USP e autora da biografia Lima Barreto — Triste visionário.
O quarto capítulo se chama O hospício e aborda as duas internações do escritor no Hospício Nacional de Alienados. O seu Diário do hospício é matéria-prima essencial do episódio, do qual participa o psiquiatra Paulo Amarante, professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e nome de frente na luta pelo fim dos manicômios.
O podcast termina com o episódio Rio de Janeiro, cidade pela qual Lima Barreto era apaixonado. A música se faz especialmente presente neste episódio, que conta com depoimento da violonista Marcia Taborda, professora da UFRJ e estudiosa da história da música do Rio de Janeiro. Outro convidado é o historiador e escritor Luiz Antonio Simas, grande tradutor da vida na cidade.