Pela primeira vez toda obra poética do irlandês Samuel Beckett ganha edição no Brasil. No volume Poesia completa, os tradutores e especialistas Marcos Siscar e Gabriela Vescovi — que coassinam esta edição crítica —, dividem o repertório poético de Beckett em duas partes: pré e pós-guerra.
Dentro de cada seção, áreas temáticas e poemas espelhados trilíngues [ora em inglês-português, ora francês-português], em páginas lado a lado. Nos versos de Beckett, observa-se a recusa da postura poética autocomplacente e a exploração dos desvios da elegância convencional, dando livre curso à matéria baixa, ao humor ácido, ao jogo de palavra e à “gagueira” (como diz Deleuze) estilística. Estão aí em jogo tanto uma sensibilidade muito viva em relação ao drama (ao “absurdo”) existencial, quanto a contínua militância contra a estupidez humana, em suas diversas manifestações.
A escrita em verso de Samuel Beckett (1906-1989) está presente desde o início de sua obra literária e o acompanha ao longo de toda a trajetória até seu último texto, escrito já no leito de hospital. Ela não é um “laboratório” de sua prosa, funciona antes como lugar de condensação de uma série de referências pessoais e literárias, por meio das quais o autor vai dando tratos à própria concepção de literatura.
Um dos raros autores que realiza ele próprio a tradução de vários de seus livros, construindo uma obra em francês e inglês, Beckett desafia a ideia de “original” e faz da relação entre idiomas um aspecto não acessório, mas integrado ao sentido da experiência literária.
Como não podia deixar de ser, a prática está também na produção em versos, mostrando como a tradução é um tipo de escrita e, inversamente, como a escrita já é uma forma de tradução – isto é, que o interesse da escrita não está em sua singularidade estável, intocável, mas no gesto do transitar e do desdobrar, de um ter lugar em corpo e experiência.
Samuel Beckett é considerado um dos mais importantes autores do século 20. No final da década de 1940, escreve a chamada “Trilogia do pós-guerra” — composta pelos romances Molloy (1947), Malone morre (1948) e O inominável (1949) —, cujo tema é a solidão. Embora já conhecido de alguns círculos por sua produção literária, o nome de Beckett projeta-se internacionalmente com a estreia da sua primeira peça, Esperando Godot, em 1953. Com Godot, ele inicia, ao mesmo tempo que Ionesco, o Teatro do absurdo.